crônica de um sábado qualquer

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Não parava de chover e ele disse “vamos até Sac, assim a gente areja e sai dessa toca um pouco.”. Ela respondeu “tá bom, eu queria mesmo passar no shopping.” Ele sentou pra ver tv e ela tomou banho e se arrumou. Ela perguntou “você vai assim?” e ele disse sorrindo “claro que não! vou me trocar” e subiu pra trocar a camisa de listras azul clara pela camisa de listras azul escura. Ela de saia de florzinha e ele de camiseta de listinhas. Ela pensou “como ele é relaxado com a aparência” e ele pensou “como ela tá chata hoje!”. Foram pra Sac debaixo de chuva. Ela queria comprar uns trecos e ele queria tomar café. Ela entrou na loja e ele ficou andando atrás dela. Ela disse “você tá me irritando, parece minha sombra, dá pra me deixar olhar o que eu preciso comprar em paz?” e ele disse “vou sentar pra te esperar lá fora, naquele banco de ferro.”. Ela suspirou aliviada.
Não sabiam muito bem para onde iriam. Ele sugeriu “vamos pra Old Sac?” e ela respondeu “o que vamos fazer em Old Sac debaixo de chuva?”. Resolveram dirigir sem rumo e parar em algum lugar interessante que avistassem. Uma mulher andava pela rua na pontinha dos pés, mãos na cintura, nariz empinado e gesticulando. Ele e ela olharam a cena, ela pensou “mais uma louca” e ele disse “olha, mais uma louca!”. Resolveram parar num Café e ele disse “não gostei da cara desse lugar.” E ela disse “ah, você não vai começar com essa história, né? vamos ficar aqui mesmo, Café é Café, tudo igual.”. Mas ela sabe que ele gosta de ir no Starbucks – “ele é tão convencional.”. Ele estacionou em frente de uma jardineira e ela não conseguiu abrir a porta do carro. “Isso é um sinal!”, ela pensou e então resolveram seguir em frente, procurando por um Starbucks. Logo em frente tinha um. “Que praga esse franchising!”, mas ele adora. Entraram e ele foi pedir seu mochaccino e ela foi olhar as prateleiras. Derrubou uns pirulitos de oferta dos restos da Páscoa. Um quebrou. Ela resolveu não mexer em mais nada e sentou pra ler o jornal. Foi procurar o que fazer no Guia de Sac. Ao lado, em pé junto às cafeteiras, uma mulher de casaco longo cor-de-rosa sujo e rasgado, com muitos anéis, óculos escuros, sombrinha e botinas de Mary Poppins tomava seu café numa xícara verde de cerâmica e ria muito, falava alto e gesticulava sozinha. Ele sentou com seu mochaccino e ela disse “outra louca” E ele respondeu “como tá cheio deles aqui em Sac, hein?”.
No Guia viram o anúncio de um filme. Ele foi perguntar onde era o cinema para um casal, que perguntou de volta “onde você comprou suas botas?”. Ele riu e ela respondeu “elas são do Brasil” e eles disseram “adoramos música brasileira!”. Ela pensou “provavelmente vão falar de Bossa Nova”. Ele disse “all righty!” e foram embora. Dirigiram pro cinema e ainda era cedo. Atravessaram a rua debaixo de uma tempestade e entraram numa loja de discos. Ele disse “você sabia que essa é uma das Towers mais velhas dos EUA?” e ela pensou “como ele sabe disso?”. Olharam os cds e ele deu muitos palpites. Ela e ele deram muitas risadas. Ela viu uns postais do Bob Dylan e disse “dá licença, mas esses postais eu tenho que comprar!” e ele respondeu ironicamente “mas pra quê que você quer postais do Bob Dylan? pra mandar pra você mesma?”. Mas ela nem deu bola e também viu um postal da Janis Joplin e pensou “esse eu vou mandar pra uma amiga querida!” e já foi entrando na fila do caixa.
O caixa, um rapaz gordinho com chapéu de veludo verde, disse “oi, tudo bem com você hoje?” e ela respondeu “sim, tudo okay e você?” e o rapaz gordinho de chapéu de veludo verde disse “estou me divertindo! mas tudo poderia ficar melhor se você me desse um sorriso!”. Ela riu alto mostrando os dentes, pagou os postais e foi encontrar-se com ele. Correram na chuva juntos e foram pro cinema. Ela foi ao banheiro e ele também. Ela saiu do banheiro e ele não. Ela andou pra lá e pra cá por um tempão. Foi até a sala do cinema antigo e não viu ele em lugar nenhum. Foi e voltou várias vezes e acabou prostrada em frente da porta do banheiro. Ela estava quase pedindo para um dos mocinhos da pipoca ir checar se tinha alguém passando mal no banheiro, quando ele saiu dizendo “acho que comi algo que não me caiu bem, pois tô com dor de barriga” e ela disse “ah, mas o que você anda comendo na rua, que eu não estou com piripi??”. Sentaram-se na sala do cinema e viram o filme.
A chuva ficava cada vez mais pesada e ele e ela resolveram voltar pra casa. Ela de saia de florzinha, feliz com as comprinhas no shopping, o postal do Dylan e da Janis e o filme, que a deixou pensativa. Ele de camiseta de listinhas, feliz por ter conseguido melhorar o mau humor dela, ainda encasquetado com o que ela iria fazer com o postal do Dylan e achando que o filme foi “muito interessante”. Seguiram rumo à I80 e pegaram a estrada em direção de casa, ele com a mão na perna dela, ela olhando pra ele enquanto ouviam Fleetwood Mac no rádio do carro.

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