Mais ou menos de dez em dez anos alguém me vende a ponte do Brooklyn. É normalmente uma situação muito bem esquematizada, que me deixa completamente atrapalhada e da qual não consigo me esquivar. Abri a porta para um fulano que me viu na cozinha e abanava as mãos como se me conhecesse pela janelinha da porta. A conversa durou apenas alguns minutos, quando só ele falou: contou que era do Mississippi, ralando pra se tornar não-sei-o-que, através de um programa que não pesquei o nome, disse que tinha quarenta e cinco anos, sacou sei lá de onde, num gesto rapidíssimo, uma foto que me mostrou dizendo ser ele com o neto, gesticulou muito, com a cara cada vez mais próxima da minha, elogiando o meu sorriso sem-graça, fazendo todos os salamaleques possíveis e me mostrando uma papelada encardida com títulos de revistas e um monte de nomes de pessoas listados com letra de mão. Já recusei assinar revista pra inúmeros tipos que vira e mexe batem na minha porta com o mesmo papo. É sempre pra ajudá-los com os estudos, ou com um emprego e são todos um coitados. Mas esse era o rei dos coitados. Disse quase chorando, não faz isso comigo, quando eu já totalmente confusa afirmei que não iria comprar nada. Consegui finalmente fechar a porta depois de colocar uma nota de vinte dólares na mão dele, que anotou desengonçadamente não sei o que num papel amarelo, me fez escrever nome-endereço-profissão num outro e se mandou naquela pressa, enquanto eu passava por um episódio de confusão mental, pensando se tinha ou não caído num conto do vigário. De repente me toquei que a única letra diferente na lista de nomes-endereços-profissões de doadores era a minha e estou até agora matutando se a assinatura da revista que eu supostamente doei para um grupo de crianças vai mesmo chegar lá, ou se vai somente virar vinte mangos extras no bolso de um malandro.
Fer Guimaraes Rosa - January 28, 2006 09:14 PM