she’s a babe now

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Estava entrando no Farmers Market quando ouvi alguém chamar meu nome com uma voz de surpresa e entusiasmo. Me virei e reconheci apenas o sorriso dentuço. Ela me abraçou e eu só conseguia dizer ‘you look soooo good!’. Acho que foi a primeira vez que eu vi uma pessoa se transformar de uma maneira tão drástica.
Ela era a diretora da escola para qual eu trabalhei nos meus primeiros anos aqui em Davis. Ela não era a pessoa mais querida e popular do pedaço, mas eu gostava dela. Ela tinha sempre um abraço, palavras carinhosas e estava sempre disposta a bater um papinho. E não era qualquer papinho, conversávamos sobre computadores, internet, livros e, principalmente, música. Ela era fã do Blues e quando descobriu que eu era também, sempre trocávamos informações pelo corredores – você viu quem vem tocar no The Palms? você precisa conhecer fulano de tal! vou trazer uns cds pra você ouvir. Aprendi muito sobre Blues contemporâneo com ela, que me olhava com estranhice e sempre com aquele sorriso dentuço, quando me ouvia desfiar o rosário dos meus ídolos, Robert Johnson, Muddy Waters, Mississippi John Hurt, Son House, Ma Rainey.
Ela tinha seus quarenta e poucos anos, mas aparentava mais. Se vestia num estilo conservador casual – compradora compulsiva no catálogo da J. Jill. Ela era uma americana alta e loira, nascida em Upstate New York, e era gorda, muito gorda. E com o passar dos anos foi engordando progressivamente numa escala tão assustadora que eu já previa uma grande derrocada para breve, traduzida num derrame ou ataque cardíaco.
Depois que parei de trabalhar ainda passava pelo escritório dela pra fazer pequenas visitas. Na última vez que a vi, ela estava saindo do emprego de diretora para vontar a ser professora e chorou na minha frente, dizendo que estava numa crise, que não era feliz, que queria mudar tudo, começando com o emprego que ela detestava.
Revê-la no Farmers Market neste final de semana foi uma grande surpresa. Ela estava magérrima, quase irreconhecível. E estava toda produzida, unhas pintadas de um rosa chocante, corte de cabelo moderno, roupas sensuais, uma nova pessoa, nova atitude, trabalhando meio período, viciada em ginástica, comendo orgânico e natural. Conversamos por um tempão, ela me contou que vai a um show de Blues na próxima semana, eu relatei o patético show que o Dylan fez em outubro passado na UC Davis. Fiquei o resto do dia pensando na transformação radical pela qual essa mulher passou e percebi, mais uma vez, que realmente nada é definitivo e nada é impossível nesta vida.

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o passado não condena