ninguém contava com essa..

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Pelo vidro emoldurado da janela, olho hipnotizada folhas de jornal voarem e revoarem pelo cimento e gramado. Estávamos engrenando para uma semana de primavera ilusória no meio do inverno, quando começou o vento. Por um motivo alheio ao tempo, eu troquei de roupa na hora do almoço. É muito raro eu fazer dessas, mas quando faço tenho sempre uma desculpa preparada, caso alguém se espante—uai, cê não tava com um casaco de veludinho florido hoje pela manhã? Felizmente nunca tenho que usar minhas histórias esfarrapadas, pois ninguém realmente comenta. E eu voltei mais agasalhada, pois a ventania já tinha começado. Vim pedalando minha bicicleta velha com tal esforço que me fez sentir os músculos do estômago, que eu às vezes acho que não tenho mais. Na caminhada da tarde, lembrei quando eu e o Gabriel lutamos contra o vento numa avenidona deserta daquela cidade que fica na planície gelada. Só ai entendemos por que não víamos ninguém caminhando pelas ruas. Me senti assim caminhando hoje pelo campus, contra o vento que me impunha fazer força e me esticava a cara, ou contra o vento que me empurrava como se estivesse aflito que eu fosse chegar atrasada. Me deu medo. Galhos de árvores ancestrais quebram, alguns já quebraram, mas felizmente nenhum despencou sobre a minha cabeça.

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  • EX-CE-LEN-TE!!!!
    Utterly amazing!
    Esse é seu estilo. Tha best.
    Um beijo
    Meg
    P.S. Estou também numa fase de tristeza por causa dos animais e aqui que ninguém nos ouça: estou viciada no Animal Planet.
    beijos

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o passado não condena