sniffff
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Eu tenho uma inveja danada de uma pessoa que conheci uns anos atrás. Sei lá por quê, ela não tinha olfato. Quando eu fiquei sabendo disso, imaginei as possibilidades de uma existência sem precisar e poder sentir cheiros. A idéia me conquistou.
Só pra ilustrar, eu tenho aquela cara de Ana Magnani, que incluí um nariz napolitano [A Napa!], e que eu acho que influí bastante na minha habilidade de cheirar [tamanho é documento!]. Ele não é feio e combina comigo, pois não sou nenhuma mignon. Mas o problema é que eu tenho um olfato super sensível e sinto o cheiro de absolutamente tudo.
Muitas vezes estou reclamando de um fedor qualquer e o Ursão está olhando pra mim com aquela cara de patzo, como que não está entendendo o motivo de tanta algazarra. Ele não sente os mesmos cheiros que eu sinto.
E o mundo é extremamente fedorento – acredite! Tem dias que eu penso na mulher sem olfato e desejo ardentemente ser como ela. Assim eu não precisaria cheirar tanto cheiro desagradável. Eu sinto o ar empestiado de bosta de vaca quando o vento sopra de um determinado jeito e traz a caatinga dos estábulos da UCDavis. E é tanto chulé, sovaqueira, bafão… Gente que não se manca. O sofrimento de trabalhar com alguém que retocava o perfume de gardênia a cada meia hora. Ou outro alguém que não depilava o sovaco e não usava desodorante [era uma questão cultural] e conviveu dois longos verões comigo. Cheiro de xixi de gato, de cocô de gente, de chulé, de lixo, de naftalina, de gente que cheira estranho [não tem gente que cheira estranho?], cheiro de mofo, de revista velha, de garage sale, cheiro de pum, cheiro de carpete de restaurante, de sabonete vagabundo, de foto velha, de casaco guardado no armário.
Meu olfato é tão aguçado que eu sinto o cheiro das máquinas, dos tomates, dos computadores, dos laboratórios, nas roupas do Ursão. Muitas vezes é tudo tão insuportável, que eu arriscaria perder a capacidade de sentir o cheiro da brisa, da chuva, da terra, do sol e das plantas, só pra viver confortavelmente na ignorância do quanto esse nosso mundo é fétido!