ignorance is bliss

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Infelizmente temos esse cacoete, não nos conformamos em apenas viver o hoje, cismamos em permanecer enroscado aos fatos do passado e adotamos uma atitude quase maníaca buscando adivinhar o futuro. E por isso temos que conviver com uma verdadeira corja de aproveitadores, que tenta de inúmeras maneiras nos vender a ilusão de que podemos prever nosso destino. Mas já pensou na angustia e sofrimento em que viveríamos se soubessemos o que vai nos acontecer amanhã? Seria insustentável. Eu sou do tipo que prefiro não saber de nada. Mas a minha curiosidade já me fez vivenciar algumas situações bizarras. Duas delas com ciganas.
Uma delas me pegou na praça – aquela onde era a antiga feira hippie em Campinas. Ela agarrou a minha mão e me convenceu a pagá-la para ouvir as previsões do meu futuro. Essas ciganas têm um plá que não é fácil. E na inocência dos meus vinte anos, deixei. Abri a palma e ouvi a mulher falar. Eu já era casada e já tinha meu filho. Papo de cigana é sempre o mesmo:

– você vai encontrar um rapaz moreno…
– mas eu já sou casada, com um ruivo!
– ah, mas as linhas não mentem…. então você vai divorciar do ruivo e casar com o moreno. e vai ter três filhos com ele!
– ahn? mas eu não quero ter outros filhos, não quero descasar do meu marido, não quero casar com outro, quero continuar assim, como é agora!
– minha filha, seu destino está escrito aqui, não tem como mudar!

Comecei a chorar na frente da cigana. Fiquei muito abalada. Ela percebeu, deve ter ficado com medo de perder a grana e se corrigiu rapidinho…

– ah, perái, não é bem assim. eu vi errado, olha aqui, você não vai encontrar ninguém e vai ficar a vida toda casada com o seu marido! se acalma! se acalma!

Grandíssima éfe da pê!
A outra cigana era cliente da minha mãe, que é advogada. Ela quis fazer um agrado, porque o caso dela era espinhudo [uma disputa de dinheiro entre irmãos e irmãs] e ela então ofereceu de ‘ler o futuro’ pra mim e pra minha irmã. Como de graça, aceitamos até injeção na testa, lá fomos nós na casa da tal cigana.
Eu fiquei assustadíssima logo que entrei na salinha de ‘trabalho’ da cigana, que era um verdeiro terreiro de macumba, com uma galinha preta morta jogada num canto e um quadro da pomba gira num outro canto, entre inúmeras figuras de santos e coisas esdruxúlas de religiões diferentes. Ela me sentou num banquinho e começou a jogar os búzios:

– hum, você vai conhecer um moço loiro….
– é mesmo? [ ih, entrei noutra fria….]
– sim, você vai conhecer ele no seu trabalho
– hum, que interessante! [eu não trabalho]
– e vai casar com ele depois de dois anos
– hehe [ e o que faço com o meu marido atual?]
– e vai ter dois filhos com ele….
– tá bom…. [que grande farsa!]

Eu fui concordando com tudo e saí da salinha puta da cara! Outra grandíssima éfe da pê, embromadora, cambalacheira, sem vergonha!
Eu não tenho nada contra o povo cigano, acho a cultura deles bonita e tal, mas desses ciganos que lêem o futuro eu fujo como o diabo foge da cruz…. Eles dão má fama para toda a comunidade. E nem se dão ao trabalho de tentar contar uma história mais convincente. É sempre a mesma pataquada – moço loiro, moço moreno, casamento, filhos…. Como se o futuro fosse só isso!

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