era a minha cidade

*

Caía uma chuvarada à noite e meu pai chamou um rádio-taxi para me levar até a casa da minha sogra. Os carros estavam presos na garagem, que está ganhando um portão eletrônico. Não consigo nem me lembrar da última vez que andei de taxi.
– eu vou na rua Júlio de Mesquita seiscentos e trinta e seis.
– antes ou depois do Centro de Convivência?
– acho que depois, na frente do hospital Irmãos Penteado
– mais pro lado do City Bar?
– acho que sim.
Tentei dar uma de entendida das ruas e locais, pra não dar bandeira do meu total esquecimento sobre Campinas. E não quis dizer que não era da cidade. A conversa foi ficando mais intricada.
– como chove hein? nessa época não é normal chover tanto…
– está tudo de cabeca para baixo, se eu pudesse eu me mandava de Campinas, iria morar no interior de Minas. Campinas está me dando nojo…
– é, está tudo bem diferente mesmo.
– Campinas não é mais dos campineiros… o centro está um nojo, cheio de camelôs.
– é, está mesmo, que coisa né?
– eu não mudo porque meus filhos de 19 e 22 anos não iriam comigo e a mulher, você sabe, sem os filhos não vai…
– é, na década de oitenta eu fazia compras na General Osório e Coronel Quirino, nas boutiques bacanas… e hoje, que decadência hein?
– nem fale! Essa cidade está mesmo um nojo!
O que me salvou de não dar uma bandeirosa de que não moro mais em Campinas, muito menos no Brasil, foi a tour eu tinha feito com a minha mãe pelo centrão de Campinas naquela tarde. Fomos ao Mercadão e depois caminhamos por parte do centro, antes tão bacana e estiloso, e por ruas onde eu costumava caminhar animadamente aos sábados, olhando vitrines, fazendo planos de comprar isso ou aquilo. Vi o finado Cine Windsor, o Largo do Rosário, onde meu avô teve uma charutaria na década de vinte, os Giovanettis I e II, que eu frequentava com meus amigos e com os amigos do Uriel. Vi até o restaurante natural onde eu almocava com o Gabriel, que virou um bingo [aliás, que surpresa: os bingos são iguaizinhos aos cassinos, vistos de fora!]. Também vi muitas lojas e galerias tristemente decadentes, embora alguns lugares continuem iguais, como o Papai Salim, onde eu e minha mãe – caras-de-pau – fizemos uma encomenda pra delivery de duas esfirras e dois quibes!
Campinas mudou e eu, que saí daqui em 1987, não tenho mais aquela intimidade com a cidade. Embora até que me saia bem fingindo que sei de tudo, pra poder manter a conversinha com o motorista do taxi.

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