Nous sommes perdus!
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“Je suis perdu! Je suis perdu!”
Eu lia alto a tradução para a nossa situação em francês no guia da Belgica que a Tereza gentilmente me enviara. Nunca pensei que precisaria usar a expressão para “I am Lost!”. Na realidade eu não estava perdida sozinha. Meu acompanhante se perdera comigo e estávamos agora numa rua escura de alguma cidade próxima de Bruxelas na Bélgica, sem saber quase nada de francês ou flemish e sem um tostão de Euro no bolso. Pegamos um trenzinho urbano vazio que se aproximara e abrira as portas para os dois desesperados, ofegantes, acenando com as mãos, uma chorando e praguejando, o outro com uma cara de patzo. “We are lost!”.
“Je ne comprends pas l’anglais” disse o condutor do tram. “Taxí, taxí!” tentávamos explicar empolando um falso sotaque francês. Queremos um taxi. Abri o guia e mandei bala “Je suis perdu! Je suis perdu!”. O rapaz fez um gesto de sinto muito, parou o tram e nos indicou com a mão uma loja de conveniência aberta. Já era mais de meia-noite e aquele lugar parecia o único aberto na redondeza. A luz acesa, denunciando que havia gente no local, me fez suspirar de esperança. “Tem que ter uma alma que nos ajude a sair dessa enrascada!”.
…………….
Descemos no aeroporto em Bruxelas e já fomos direto para a estação do trem, conectada à saída do terminal de aviões. Não havia mais ninguém ali, exceto pelo bando de turistas completamente confusos e perdidos. Fomos perguntar. “Onde pegamos o trem pra Leuven?”. Descobrimos que iríamos naquele trem mesmo até a estação Noord e dalí pegaríamos uma conexão para Leuven. Depois que aprendemos a usar os trens na Bélgica é que descobrimos onde fizemos o erro fatal. Tudo é extremamente confuso… E há uma cidade chamada Leuven e outra chamada Louvain, pra piorar as coisas.
Tomamos o trem pra cidade errada. Olhando no mapa dentro do trem, percebemos que algo estava errado. Depois de não-sei-quantas estações, achamos um bilheteiro para pedir informação. O cara foi curto e grosso “Vocês pegaram o trem errado. Tem que voltar pra Noord e pegar o trem certo para Leuven. Desçam na próxima estação, cruzem os trilhos pela ponte e em dez minutos virá outro trem”. Assim fizemos.
Eram 11:39pm. Tínhamos entendido que o último trem corria à meia-noite, depois não tinha mais. Carregando as malas, eu de saia e chinelo de dedo, descemos numa estação aberta, no meio do mato, numa área não residencial. Já foi me dando uma dor de barriga. Não entendíamos o cartaz do schedule dos trens e o tal que chegaria em dez minutos nunca que chegava. Quando deu 12:15am, eu já estava em pânico, com as pernas e pés congelados, vontade de fazer xixi e choro entalado na goela. Decidimos caminhar pelas ruas e ver se achávamos um taxi. Nenhuma alma nas ruas. Alguns carros passando. Um taxi, que não parou pro casal frenético correndo pela calçada com as malas. Finalmente uma luz no final da rua. Um trem urbano, chamado de tram pelos locais. Correria, gritaria, acenos enlouquecidos!
“We are lost!”
……………………
Na loja de conveniência encontramos duas garotas comprando doces e cigarros. Eu com o guia aberto fui direto ao ponto.
“Do you speak English?”
“Yes…”
“Oh, THANKGOD! Can you help us, we’re lost!”
Elas explicaram que Leuven, onde queríamos chegar, estava pro norte e nós estávamos no sul de Bruxelas. Bem longe! Como chegaremos lá? Onde tem um caixa automático pra pegarmos dinheiro europeu? Onde pegamos um taxi que nos leve pra Leuven? How the HELL did this shit happen????!!!!!
As meninas argumentaram que Leuven era muito longe e se ofereceram de nos levar de carona para um hotel próximo, parando primeiro num caixa automático, pois não tínhamos tido nem tempo de pegar dinheiro europeu no aeroporto. Abolotados no banco de trás de um carrinho minúsculo com todas as malas, tremendo de frio e de estresse, parecia que estávamos num filme do Jim Jarmusch.
“Are you guys from London?”
“No, we came from London, but we’re actually from California…”
As meninas nos levaram no caixa, simpáticas conversando conosco num inglês razoável e depois nos levaram num hotelzinho, que tinha vaga [e uma delas foi pesquisar primeiro – por $52 euros] e o dono, um indiano, falava INGLÊS!
Contando a história de como nos perdemos pro indiano me fez cair na real da SORTE que tivemos em achar as meninas belgas na lojinha. Indo de taxi pra Leuven no dia seguinte nos fez ver o QUANTO estávamos longe. Contando a história pra Tereza, percebi que não tínhamos feito um erro TÃO grave. No booklet da conferência da Universidade de Leuven tinha um aviso, que obviamente não foi lido: “cuidado para não pegar o trem para LOUVAIN invés de para LEUVEN”. Realmente não fomos tão burros quanto pensávamos ter sido.