comida & história
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Livros de receitas também são literatura e história. Eu adoro ler sobre os hábitos alimentares do passado e como as pessoas cozinhavam e se alimentavam. Sem querer, encontrei três livros diferentes, de autores diferentes e de épocas diferentes, que fazem essa viagem ao passado. Ler essas histórias é uma atividade extremamente deliciosa, quem diria poder experimentar todas as receitas descritas pelos autores.
O primeiro livro, que comprei usado numa loja em Novato, é o relato de Margaret Rudkin, hoje famosa por ter sido a fundadora da marca Pepperidge Farm, que começou vendendo pães e hoje tem uma variedade interessante de bolachas finas. Margaret escreveu o The Pepperidge Farm Cookbook no inicio da década de sessenta, relatando toda a sua experiência dentro de uma cozinha, que se iniciou quando ela ainda era uma criança, no início do século vinte. O relato da cozinha da infância de Margaret é simplesmente delicioso. Como eles conservavam os alimentos no basement, sem o auxílio de freezers e geladeiras, como os alimentos que seguiam a regra da ‘temporada’ eram preparados em cozinhas simples, sem grandes tecnologias, mais muito eficientes.
O segundo livro é um original, reproduzido exatamente como foi publicado pela primeira vez em 1913. Escrito em linguagem literária e em sequência, como se fosse um romance, por Martha McCulloch-Williams, uma nativa do estado do Tennesse, que tornou-se uma pioneira dos livros de receita. McCulloch-Williams ensina receitas básicas consumidas no sul do país em seu livro Dishes & Beverages of the Old South. Muitas receitas são difíceis de serem preparadas hoje, pois se usava outras maneiras de assar e fritar, em utilitários domésticas que já não existem mais.
O terceiro livro é mais recente, mas o autor Victor M. Valle, um americano descendente de mexicanos, volta muito mais no tempo, republicando receitas de suas avós e bisavós, datadas do meio do século dezenove. Receitas mexicanas maravilhosas, porém difíceis de serem replicadas, tanto por causa dos ingredientes quanto pelas técnicas antiquadas de processar os alimentos. Valle descreve como a avó Delfina matou dois coelhos com uma só cajadada, livrando-se de uma imensidão de pombos que infestava o sótão da casa e ao mesmo tempo reunindo a família para um farto almoço onde prato principal era sopa de pichones [filhotes de pombo no arroz de açafrão]. Todas as receitas das mulheres da família foram preservadas na memória dos que trabalhavam na cozinha. O livro, publicado em 1995, tem o sugestivo título de Recipe of Memory e já me deixou com vontade de fazer uma viagem histórico-gastronômica ao México.
8 Comments
Fer, voce conhece o site do David Leite? Se nao me engano, ele e americano descendente de portugueses: http://www.leitesculinaria.com/
Rachel, parabens pelo concurso e obrigadao pela dica. Ja anotei, pois adoro essas coisas! beijao,
Fer, acredita que ontem eu ganhei um livro do Alan Richman num concurso de blog? Adorei! Uma boa dica de livro sobre comida, não sei se vc já leu, é o The Man Who Ate Anything, do crítico da Vogue americana. Já comecei a ler o segundo dele, It Must Have Been Sth That I Ate. Muito bacanas!
Elisa, que maravilha! Acho que vou adorar ler esse texto, se voce achar, manda pra mim, tah? O Valle eh professor da UCLA, se nao me engano, mas nao sei se eh em Antropologia [que eh a sua area, neh? super interessante!].
Wagner, todos esses livros dao fome! eu recomendo ler de barriga cheia! 🙂
Cris, eu vi o filme Como Agua Para Chocolate, mas como eh regra, o livro deve ser muito melhor, nao? Vou ficar de olho, se achar numa barganha! 😉
Rosa, ja anotei a sua dica!
Beijos a todos!
sobre História e comida, lembrei-me também do livro : Food and Love: A Cultural History of East and West, do antropólogo Jack Goody, de quem sou fã ( http://www.amazon.com/exec/obidos/ASIN/185984829X/ )
Oi Fer,
Adorei ter recebido seu e-mail. E gostei mais ainda do post de hoje. Aprendi a cozinhar com minhas avós e herdei, de cada uma, pilhas de livros de receita. Se vc já leu “Como água para chocolate”, sabe bem o encanto que uma cozinha pode ter. Se não leu, recomendo.
beijins
Pra quem gosta de culinária e história esses livros devem ser “pratos cheios”.
Talvez eu me interessasse pelo segundo (por causa da linguagem literária). Os outros talvez me dessem fome…
Beijo!
Sabe Fer, quando li este seu post fui correndo ver se eu achava a referência de um texto bem legal sobre a comida enquanto objeto de reflexão antropológica. Não achei, é uma pena. Não é de hoje o interesse da antropologia pelos hábitos, permissões e tabus alimentares das diferentes culturas. A comida e tudo a ela associado, é um fator importante na compreensão da organização e dinâmica de vida de qualquer sociedade. Lévi-Strauss foi um dos primeiros a enfatizar esta importância dedicando o título de uma de suas obras mais célebres à comida: O Cru e o Cozido. Simplesmente fantástico.
Beijo!!!!