dia de liquidação

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A notícia corre de boca em boca. Um avisa o outro e a multidão se forma na frente da loja. É uma Good Will situada numa das áreas mais ricas do norte da Califórnia. Dizem os entendidos que somente a Good Will de Palo Alto é melhor que essa. Os ricos e as lojas doam as roupas, sapatos, acessórios e a patuléia ensandecida vai lá comprar tudo por preços de banana nanica. Os preços já são ótimos, mas em dias especiais a situaçao melhora, chegando ao ponto da insanidade. Acontece geralmente num domingo, quando tudo dentro da loja vai custar apenas dois dólares. Qualquer item, já pensou? Eu recebo um telefonema e já estou pronta, roupa quentinha, porém confortável, sapatos que não machuquem e me dêem estabilidade, creme hidratante nas mãos para não ralar a pele no puxa-puxa de cabides.
Chego na frente da loja faltando dez minutos para as onze da manhã. A loja abre suas portas as onze em ponto. Um grupo enorme de pessoas já está plantado à postos, se preparando para a maratona. Encontro minha companhia, um abraço rápido, tudo bem? As pessoas conversam entre si, tensas e excitadas, hei, tudo bem? que dia lindo, hein? parece que vai chover mais tarde, é mesmo, puxa. Enquanto conversam banalidades pra passar o tempo, arrastam as solas dos sapatos no chão, como num aquecimento para a corrida que se antecipa.
De repente uma funcionária da loja põe a cara no vidro da porta, destranca a fechadura, saúda a multidão ansiosa e finalmente abre as portas gerando um movimento único e coeso.
SAI DA FREEEEEEEEEENTEEEEEE!!!!!!!!!!!!! ATACAAAAAARRRRRRR!!!!!!!!
O grupo que até então esperava relativamente paciente a abertuda das portas, entra correndo na loja, CADA UM POR SI, AGARREM O QUE PUDER, SEJAM RÁPIDOS!!!!! Eu entro empurrada pelo grupo e fico uns cinco minutos rodando como uma barata tonta, sem saber por onde começar, o que ver, me sinto massacrada pela quantidade de gente e de coisas. Sempre esqueço de pegar a cestinha, item fundamental para a coleta das barganhas.
De cestinha em punho, vou circulando pelas araras, que são inúmeras e todas abarrotadas de roupas. Até que há uma organização, então eu vou por partes. Primeiro as saias – que eu adoro. Elas são separadas por comprimento e por cores. Duas araras de saias longas, um corredor de saias curtas. Você tem que ter dedos bem treinados, porque precisa olhar roupa por roupa, ver etiqueta de tamanho, marca e agarrar o que você gostar e for mais ou menos do seu número o mais rápido que puder. A cesta vai enchendo e todos seguem olhando as roupas, com a cesta no chão, que agora vai sendo arrastada com os pés transformando o cenário da loja em um imenso balé de pés arrastando cestas em sincronicidade, caras excitadas pegando roupas, checando etiqueta e tendo mini-ataques histéricos de alegria. Um detalhe importante é que essas roupas bem pouco usadas e muitas vezes totalmente novas, são na maioria de marcas relativamente caras e lojas famosas.
E como eu já disse, é cada um por si. Mesmo indo com outras pessoas, ninguém faz compras junto. Encontro com minhas companhias no meio da loja, mostro o que eu já encontrei até aquele momento, elas mostram os achados delas, nos elogiamos – cute! great! beautiful! calvin klein? uau! i like it! eteceterá – e voltamos rapidamente ao nosso garimpo solitário. Experimentar algo? Nem pensar? Conseguir um provador vazio é tarefa hérculea. Tem que esperar, esperar, então pulamos esse detalhe, afinal de contas se você está pagando apenas dois dólares por uma peça e ela não servir, você usa de pano de chão e ainda estará lucrando.
Passamos direto para a longa fila do caixa. Na fila as pessoas socializam, alegres. A tensão passou, mas a excitação triplicou, pois estamos voltando para casa com um sacão cheio de roupas.. quase novas…. com etiquetas que nos custariam o olho da cara se fossemos comprá-las nas lojas regulares…. e se alguma coisa não servir, já sabemos, não sentiremos nem um pingo de culpa!

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o passado não condena