número novo feliz

*

Em trinta minutos será ano novo no hemisfério sul. Aqui ainda temos muitas horas pela frente até as doze badaladas e folguetório. O dia foi normal, como um último dia deveria ser. Troquei, lavei, sequei, dobrei e guardei roupas de cama e banho. Almoçamos sopa de lentilhas, cenouras cruas e azeitonas. A sobremesa ficou ótima. Tirei fotos, li sentada na cadeira de balanço, terminei o livro, vi Gary Cooper e Jean Arthur no final feliz e estou vendo Fred Astaire e Ginger Rogers dançarem The Continental pela milhonésima vez, Chorei, dei gargalhadas, cortei as unhas, pensei 8730989 vezes sobre que roupa vestir à noite e ainda não decidi nada. Falei ao telefone, ouvi os preparativos do outro lado. Dissequei com uma faca afiada um belo pedaço de rack of lamb. Pensei em sair para comprar uma echarpe azul marinho, mas desisti. Rasguei envelopes, rearranjei os livros, pensei no que comerei no jantar—nada de ostras! Beberei champagne? Verei os fogos? Aguentarei o frio? Sentirei algo diferente amanhã? Tenho certeza que tudo será exatamente igual, com a diferença que terei que prestar atenção no número que mudou. Feliz ano de dois mil e oito—o-i-t-o-o, não esquece, tá?

  • Share on:

a chuva lavou o carro

*

Por aqui não acontece absolutamente nada diferente. Tudo ainda é velho. Chove e faz frio, o que dá um certo desânimo de colocar o nariz pra fora de casa. Mas isso não é problema, já que na casa tem tudo, tem até pão e leite!
Não vou fazer ceia de ano novo—iurru! Vai ser tudo uma surpresa. Mas terei um rack of lamb descongelado e tenho alface e rúcula fresquinhas e lavadas. E se tem pão, está tudo bem.
Fiz café, que ficou fraco, mas o convidado bebeu, assim como comeu o quiche salgado. Não adianta, entra ano, sai ano, e eu continuo salgando muito as comidas e fazendo café muito forte ou muito fraco. É até chato, porque vocês sabem, né?
O som na caixa é de outros tempos, mas a vida é muito boa aqui, sou feliz onde estou, não olho pra trás, não tenho nenhuma dúvida de que aqui é o lugar onde eu deveria estar, hoje, agora.

  • Share on:

bela, adormecida

*

Meu maior sonho de consumo no momento é uma noite inteira de sono. Sem acordar pra fazer xixi no meio da madrugada, sem gato chato comendo o meu cabelo ou espateando a porta às cinco da matina, sem marido tocando a sinfonia roncabraz nos meus ouvidos, sem trem de carga passando no horizonte, sem cachorro pentalho do vizinho latindo, em silêncio, silêncio, das 10 pm às 8 am. Será que é pedir muito? Se não for, poderia ser também com sonhos agradáveis?

  • Share on:

quem mandou reclamar

*

Agora aguenta uma crise de enxaqueca nos três dias que antecedem o Natal. Compra, embrulha, prepara, lava, arruma, cozinha, serve, entretem os convivas, enquanto move-se lentamente e descuidadamente pelas brumas de avalon. Sobreviverei aos jingle bells?

  • Share on:

come in she said i’ll give you shelter from the storm

*

A quatro dias do dia N e eu só tenho definições feitas em pensamento. Nada ainda se materializou na prática. Mas tudo bem, sem pânico, porque de uma maneira ou de outra tudo vai acontecer.
Todas as árvores da minha rua estão peladas. As últimas folhas estão espalhadas pelas calçadas, asfalto, gramados. É um cenário triste e desolador. Isso quer dizer que já estamos entrando no inverno—a estação cinza.
Choveu muito, justo no dia da festa. Chuva com vento, daquela que cai enviezada e molha tudo. Quando cheguei em casa à noite, a perna da minha calça ainda estava molhada.
Quando chove cântaros aqui, neva toneladas na Sierra. Pai e três filhos foram soterrados* pela nevasca enquanto procuravam por uma árvore de Natal. Uma árvore de Natal….
[*foram resgatados vivos!]

  • Share on:
  • 1
  • 2

o passado não condena