um desastre sem precedentes

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Coloquei a massa da pizza para dar uma pré-assada ligeira e peguei o ônibus espacial para Saturno. Quando regressei à Terra, a massa tinha torrado muito mais que o grau regulamentado pelo FDA. Removi a placa amarronzada da forma e coloquei em cima da pia, já quase dando tudo como perdido. But I ain’t no quitter, no sir! Olhei bem dos dois lados da arga-massa e vi que o centro ainda estava com uma cor razoável, achei que dava pra salvar. Quebrei as partes periféricas e sobrou um centro arrendondado, que emplastei com molho de tomate e salpiquei com bastante queijo mussarela. Coloquei por dois minutos no microondas só pra derreter o queijo e não comprometer a massa. Daí levei ao forno e liguei o broiler, só para dar aquela cara bronzeada para o queijo. Quando abri o forno, três minutos depois, a pizza estava pegando fogo—sim, em chamas! Foi uma correria histérica pra retirar e apagar a forma crepitando em labaredas. Fumacê, gritaria, abalo emocional, frustração.
E agora, melhor ninguém fazer perguntas, tá? Circulando, circulando! Ninguém viu nada, não aconteceu NADA, capito?
&raquo:outro texto forte importado de lá, só pra encher linguiça por aqui.

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foi o esquilo que me encarou

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Na frente da porta de entrada para a minha sala no meu trabalho tem um arbusto que se enche de pequenas flores no verão e que no outono viram frutos ovalados com uma cor verde bem escura. Esse arbusto é um pé de feijoa, uma fruta deliciosa também conhecida como goiaba mexicana. Eu levei muito tempo para me tocar que aquelas frutinhas eram feijoas, já que elas desaparecem rapidamente por serem vilmente atacadas e devoradas ainda verdes pelos esquilos.
Voltando da minha caminhada estica-pernas das três da tarde observei uma comoção esquilanesca nas proximidades do pé de feijoa. Foi quando peguei no flagra três esquilos, que já roiam covardemente as tais frutinhas. Minha presença e cara nada amigáveis fizeram com que dois dos esquilos se pirulitassem e fossem procurar por coisinhas comestíveis na grama de outra árvore mais próxima. Mas um deles não se moveu, ficou ali plantado e me encarou. O esquilo me encarou sem piscar, nem disfarçar, não abaixou a cabeça, não vacilou. Ele simplesmente me encarou. E eu encarei de volta, enquando ele subia pelos galhos da árvore, sem nunca virar a cabeça, sempre firme me encarando. O duelo de olhares durou alguns minutos. Foi emocionante. Não sei por que, mas eu tive quase certeza de que aquele esquilo era uma esquila.
»mais um texto migrado de lá.

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abri o bico

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O negócio é bem claro—se eu não ligo pra ninguém, ninguém liga pra mim. Fiquei tão longe que parece que desapareci.
Com todos esses falatórios de crise, cortes, redução de salários e de horas, é fácil tremer na base. Meu grupo de trabalho é relativamente pequeno. Tem o pessoal da web que consta de doze pessoas, incluída eu, e o pessoal das publicações, onde deve ter mais uns doze, além dos acadêmicos, que devem ser mais uns dez. Parece uma família. E o pessoal ganha broches e medalhas por anos de dedicação. Eu poderia ficar trabalhando neste lugar para sempre, ficar uma velhota pedalando a bike, reclamando do calor, fazendo e rindo de piadinhas de geeks. Mas não tenho uma bola de cristal, então só divago sobre a insustentável leveza do não saber.
Finalmente a tal obrazinha que planejei fazer no quintal por mais de dois anos ficou pronta. Não ficou exatamente como eu queria, mas carrega mil possibilidades. Só que agora quem cansou de fazer planos fui eu.

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azul

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mais um dia quatro de julho

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Eu já entendi que meu carma, minha sina aqui neste planeta é aprender a desapegar. Posso até desapegar de várias coisas materiais, mas nunca vou desapegar de certas memórias. Como a de um certo quatro de julho de um ano que não lembro mais, quando ouvi o barulho dos fogos de artifício às dez da noite e saí sozinha no quintal pra ver as luzes que pipocavam no horizonte. Pisei na grama fria, sentindo o frescor da noite depois de um dia quente, a tal brisa do Delta tão esperada, e tentava ver os fogos quando virei e vi a minha casa através das janelas, as luzes acesas lá dentro, a escuridão lá fora ajudando a dar mais destaque para a sala, a cozinha, o quarto lá em cima, o banheiro. Nunca vou esquecer da alegria que senti olhando a minha casa de fora para dentro. Posso com certeza desapegar da casa, mas a lembrança desse momento de felicidade olhando para ela numa noite de quatro de julho vou carregar para sempre comigo.

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modo de fazer

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Anos atrás, quando eu passei por uma febre de tricotagem, comecei um projeto de fazer quadrados coloridos pra mandar pra um lugar que esqueci. Era para virar uma manta eu acho, mas acabou virando um projeto abandonado, que se dissipou nas brumas da vida corrida e mundana.
Eu não tricoto mais porque agora eu cozinho obcecadamente. E o meu cozinhar ficou amplo e envolve ler livros, procurar receitas e idéias, além de preparar as comidas [e limpar—argh!], fotografar, editar, escrever a receita, tralálá.
Mas eu realmente não sinto falta de tricotar, porque nunca fui boa nisso, como nunca fui boa nas costuras. Costurei por muitos anos por falta de opção. As lojas não vendiam as roupas que eu queria vestir, no meu tamanho e do meu jeito. Então fui aos panos e às agulhas. Era também por economia, pois naquela época era mais barato comprar um paninho e fazer bonito. Hoje, com essa invasão de made in sweatshops, já não acho costurar nenhuma vantagem econômica.
Também lembro da onda de fazer bijoux com miçangas, que foi mais um exercicio de paciência, de ficar quieta, de atenção, além do da criatividade. Eu preciso ter um canal pra minha criatividade e então invento modas, mesmo não tendo nenhum talento. Abandonei as miçangas, as linhas, os panos, as lãs e as agulhas. Agora minha atenção está nos rangos, nos pratos, nos talheres e copos. Até quando? Não sei, veremos.

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40ºC / 105ºF

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Estou trancada em casa, com as janelas e persianas fechadas, a/c central ligado porque o calorão começou. Já não me importo mais com isso, porque há coisas muito piores neste mundo. O calor poderia ser úmido e chamar insetos. O que não acontece. Nos orgulhamos e nos gabamos de ser apenas um monte de uvas passas cantarolantes e felizes.
Finalmente, depois de dois anos planejando e repensando estou conseguindo por em prática uma reformazinha que queria fazer no quintal. Tudo pra mim é assim, um custo. Mas justo hoje, nesse calorão dos infernios, o moço tá lá fora assentando tijolinhos. Fui dizer pra ele peloamorededeus beber bastante água. Mas não posso abrigar ninguém a não trabalhar.
Nos primórdios deste blog eu escrevia sobre uma gata, que virou gato numa história notável e mirabolante. Tantos anos se passaram, nem eu me dei conta de quantos e hoje já tenho que enfrentar o mais difícil, que é observar o envelhecimento desse animal.
Deu pra perceber que eu só vim aqui pra encher linguiça? Pois assunto não há. Tudo ficou tão absurdamente particular. Mas eu hei de recobrar, ou redescobrir, uma maneira legal de continuar registrando dias, semanas, meses e anos, sem comprometer ou exaltar a malta.

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o passado não condena