a chuva lavou o carro

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Por aqui não acontece absolutamente nada diferente. Tudo ainda é velho. Chove e faz frio, o que dá um certo desânimo de colocar o nariz pra fora de casa. Mas isso não é problema, já que na casa tem tudo, tem até pão e leite!
Não vou fazer ceia de ano novo—iurru! Vai ser tudo uma surpresa. Mas terei um rack of lamb descongelado e tenho alface e rúcula fresquinhas e lavadas. E se tem pão, está tudo bem.
Fiz café, que ficou fraco, mas o convidado bebeu, assim como comeu o quiche salgado. Não adianta, entra ano, sai ano, e eu continuo salgando muito as comidas e fazendo café muito forte ou muito fraco. É até chato, porque vocês sabem, né?
O som na caixa é de outros tempos, mas a vida é muito boa aqui, sou feliz onde estou, não olho pra trás, não tenho nenhuma dúvida de que aqui é o lugar onde eu deveria estar, hoje, agora.

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bela, adormecida

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Meu maior sonho de consumo no momento é uma noite inteira de sono. Sem acordar pra fazer xixi no meio da madrugada, sem gato chato comendo o meu cabelo ou espateando a porta às cinco da matina, sem marido tocando a sinfonia roncabraz nos meus ouvidos, sem trem de carga passando no horizonte, sem cachorro pentalho do vizinho latindo, em silêncio, silêncio, das 10 pm às 8 am. Será que é pedir muito? Se não for, poderia ser também com sonhos agradáveis?

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quem mandou reclamar

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Agora aguenta uma crise de enxaqueca nos três dias que antecedem o Natal. Compra, embrulha, prepara, lava, arruma, cozinha, serve, entretem os convivas, enquanto move-se lentamente e descuidadamente pelas brumas de avalon. Sobreviverei aos jingle bells?

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come in she said i’ll give you shelter from the storm

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A quatro dias do dia N e eu só tenho definições feitas em pensamento. Nada ainda se materializou na prática. Mas tudo bem, sem pânico, porque de uma maneira ou de outra tudo vai acontecer.
Todas as árvores da minha rua estão peladas. As últimas folhas estão espalhadas pelas calçadas, asfalto, gramados. É um cenário triste e desolador. Isso quer dizer que já estamos entrando no inverno—a estação cinza.
Choveu muito, justo no dia da festa. Chuva com vento, daquela que cai enviezada e molha tudo. Quando cheguei em casa à noite, a perna da minha calça ainda estava molhada.
Quando chove cântaros aqui, neva toneladas na Sierra. Pai e três filhos foram soterrados* pela nevasca enquanto procuravam por uma árvore de Natal. Uma árvore de Natal….
[*foram resgatados vivos!]

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flagrante delito

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Terminei de ler um texto, virei pra olhar através da janela e estava enxugando as lágrimas e pensando no que tinha acabado de ler, ensurdecida pelo fone de ouvido que tocava acho que Lou Reed, portanto não ouvi meu chefe chegar. Quando virei, surpresa com um som abafado me chamando, deixei ele me ver daquele jeito, com um lenço na mão, os olhos vermelhos e uma tremenda cara de bunda.
Meu colega me deu um cabide desses que se encaixa entre as paredes dos cubículos. Penduro meu casacão longo e preto lá todo santo dia e ainda não me acostumei com aquele vulto negro bem atrás do meu ombro direito. Já levei dezenas de sustões, daqueles de dar tremedeira e o coração quase sair pela boca. Darth Vader está me vigiando. É apenas um casaco, nega! Mas quem diz eu me lembro?

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o passado não condena