um passinho pra frente, por favor
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Quando eu acordo e não vejo mais a luz do sol entrando pela janela e o sapinho e a joaninha do meu Google ainda estão dormindo no sleeping bag, sei que esse é o primeiro sinal da mudança de estação. Outono, por favor, não fique enrolando, pois sem você não existe outubro.
a hard rain’s a-gonna fall
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Educação, consideração, delicadeza, gentileza, bons modos—ou você tem ou você não tem. É assim simples. O incomodo é tão evidente que a pessoa não consegue nem disfarçar e demonstra cada micromilímetro do despeito que ela sente por você. Por quem você é, pelo que você faz, por todos os motivos parvos, sem explicação. Não é sua culpa e a verdade é que por mais que a pessoa capriche no intuito de te tripudiar, te chatear e te magoar, o perdedor será sempre ela e nunca você.
o rascunho do resumo
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Todo sábado eu entro no vestiário da piscina da UC Davis e antes de colocar minhas coisas no mesmo armário, no mesmo corredor, penso que já tenho uma história completamente pronta. Só falta escrever, o que é o de menos.
Outro dia saí da água e comecei a recitar mentalmente—a bandeira brasileira, como é bela e varonil, tem o ouro, tem as matas, tem o céu do meu Brasil. Quase caí pra trás com o poder de uma memorização feita para uma apresentação patriótica numa escola comandada à mãos de ferro por freiras nazistas. Durabilidade garantida. Só precisa acrescentar água e pluft!
Pela primeira vez a viagem dele não foi por causa de trabalho. A noção de distãncia é uma coisa muito relativa. A certificação de que ele está mesmo lá é ouvir a risada da minha mãe ressoando no fundo da nossa conversa pelo telefone.
Gatos não gostam muito de mudanças.
O dia que [quase] não existiu
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Comecei a sentir uma dor de estômago na sexta-feira e somente na segunda-feira joguei a toalha e pedi pra ir ao hospital. Como a maioria das pessoas sensatas, eu odeio hospitais. Mas me rendi, porque não dava mais. Pleno feriado, bandinha tocando no parque, pessoas felizes se preparando para fazer picnics e passeios, e eu dando entrada na emergência do hospital da cidade. Entrei às dez da manhã e saí às sete da noite. Passei por todos os exames possíveis, de sangue, urina, raio-x, até resolverem fazer um cat scan. No meio tempo me deram um cocktail de remédios que não adiantou nada, e depois uma dose pequena de morfina que pra mim, desacostumada com medicamentos, foi um verdadeiro nocaute.
Tenho que abrir um parêntese pra falar sobre essa experiência. Alías, sou uma pessoa certinha e só faço drogas legalmente, dentro de hospitais e consultórios médicos e dentários. Fiquei muito impressionada com o poder da morfina. Agora entendo porque essa droga é administrada em pacientes terminais. Ela simplesmente te leva pra outro planeta. Foi uma coisa rápida e totalmente baqueante. Eu senti a droga entrando na minha corrente sanguínea, engrossando o meu sangue e tomando controle de tudo. Fui para xangrilá. Mal conseguia falar, mexer as mãos e manter os olhos abertos.
A vantagem de ter ganhado uma viagem de morfina, foi que consegui passar as muitas horas de espera, para fazer o cat scan e os resultados, completamente apagada. No final, o diagnóstico foi uma possível gastrite, que está sendo tratada e monitorada. O scan achou outras coisinhas—nada sério, mas que vou ter que cuidar em breve. Passei o feriado enclausurada numa prisão, que é como a gente se sente dentro de um hospital, desprovidos das nossas roupas e da nossa dignidade. Tudo por um diagnóstico, que nem sempre é cem por cento exato.
um magnetismo que cansa a beleza
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Como é de praxe, em toda loja que eu entro tem sempre uma criança berrando, fazendo escândalo, perdida, ou simplesmente aprontando todas pra tentar aplacar o tédio de passar horas dentro de um lugar sem atrativos, esperando a mãe encaroçar, escolher, provar, decidir, pagar. Hoje fui fazer umas compras e me deparei com as mesmas cenas de sempre. Só que desta vez, além das criaturas berrantes habituais, esbarrei numa cantante e noutra confrontante.
A criatura cantante tinha uns quatro anos e rebolava e repetia o refrão de um desses melôs de hip-hop com conteúdo sensual que tocava no sistema de som da loja—you can put the blame on me, you can put the blame on me. Eu olhei pra criança e ri, a mãe sorriu amarelo de volta.
A criatura confrontante estava acompanhada de várias irmãs mais velhas e tinha no máximo três anos. Falava sozinha e quando eu olhei—meu grave erro, ela já veio atrás de mim, falando umas coisas que eu não entendi bolhufas. Umas das irmãs lhe deu uma fubecada e me pediu desculpas. Eu achei engraçado, mas quando dei por mim, percebi a topetudinha atrás de mim, me confrontando. Continuei não entendendo patavinas do que a trubufinha falava, mas ouvi bem claro e alto as irmãs tentando remediar—we’re sorry, we’re sorry!
i’m a sac of potatoes
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Todo final de qualquer estação vai dando um entojo. Estou nesse ponto com o verão. Especialmente quando os lindos dias se transformam em forno e não se consegue dar uma caminhada no meio da tarde ou jantar na mesa do quintal. O trem começa a dar nos nervos, os caminhões no estacionamento do shopping center também e ainda soma-se um cachorro latindo para que eu deseje que o outono chegue rápido para que eu possa simplesmente fechar as janelas e ter paz.
Me vestir num dia tórrido de final de verão é outro suplício, pois não importa quantas roupetchas semi-novas e bacanas eu possua, vou me vestir como um sacão de batatas, tudo largo, tudo confortável, porque eu não consigo suportar nenhuma roupa nesses dias. Tenho sorte de trabalhar num ambiente informal e poder me vestir à vontade, com bermudão de surfista e chinelo de dedo. Num dia como hoje, que vai chegar novamente aos 40ºC, eu estou como um saco de pistacho importado do oriente médio, com uma túnica largona bordada até o joelho, uma calça largona de amarrar por baixo e chinelão.
Mais dois dias e começa o mês de setembro. Eu sei que não vamos encerrar o verão assim tão rapidinho, mas saindo de agosto já me dá um ânimo, porque penso que o pior já passou. Será?