caí como uma pata

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Mais ou menos de dez em dez anos alguém me vende a ponte do Brooklyn. É normalmente uma situação muito bem esquematizada, que me deixa completamente atrapalhada e da qual não consigo me esquivar. Abri a porta para um fulano que me viu na cozinha e abanava as mãos como se me conhecesse pela janelinha da porta. A conversa durou apenas alguns minutos, quando só ele falou: contou que era do Mississippi, ralando pra se tornar não-sei-o-que, através de um programa que não pesquei o nome, disse que tinha quarenta e cinco anos, sacou sei lá de onde, num gesto rapidíssimo, uma foto que me mostrou dizendo ser ele com o neto, gesticulou muito, com a cara cada vez mais próxima da minha, elogiando o meu sorriso sem-graça, fazendo todos os salamaleques possíveis e me mostrando uma papelada encardida com títulos de revistas e um monte de nomes de pessoas listados com letra de mão. Já recusei assinar revista pra inúmeros tipos que vira e mexe batem na minha porta com o mesmo papo. É sempre pra ajudá-los com os estudos, ou com um emprego e são todos um coitados. Mas esse era o rei dos coitados. Disse quase chorando, não faz isso comigo, quando eu já totalmente confusa afirmei que não iria comprar nada. Consegui finalmente fechar a porta depois de colocar uma nota de vinte dólares na mão dele, que anotou desengonçadamente não sei o que num papel amarelo, me fez escrever nome-endereço-profissão num outro e se mandou naquela pressa, enquanto eu passava por um episódio de confusão mental, pensando se tinha ou não caído num conto do vigário. De repente me toquei que a única letra diferente na lista de nomes-endereços-profissões de doadores era a minha e estou até agora matutando se a assinatura da revista que eu supostamente doei para um grupo de crianças vai mesmo chegar lá, ou se vai somente virar vinte mangos extras no bolso de um malandro.

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não sou o seu contador

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Uma coisa que eu considero o fim da picada da grossura é gente que fala de dinheiro como se estivesse falando do tempo. Em cinco minutos de conversa você praticamente teve acesso à conta bancária e orçamento da figura. Você não sabe se o tipo gosta de maçã ou banana, mas sabe quanto ele ganha, quanto ele gasta, com o que ele gasta, onde ele faz o imposto de renda, como ele é esperto e sempre tira vantagem financeira de tudo, quanto ele paga de conta de luz, quanto isso, quanto aquilo, quanto aquele outro. Eu escuto com uma resistência enorme, porque na verdade não quero realmente saber. Tento fazer um lalálalálalá mental, que nem sempre funciona, então tome números, engula cifrões e faça a digestão se puder.

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aah, paraíso!!

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Não é à toa que eu ADOROOOO viver aqui! Leiam nos arquivos, ali no Same Day in Other Years, eu descrevendo um show de Blues que fui num bar, onde NINGUÉM fumava lá dentro. É paraíso ou o quê??
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da BBC Brasil:
O Estado da Califórnia se tornou o primeiro americano a classificar a fumaça produzida por cigarros como “poluição tóxica” do ar.
Com essa classificação, determinada na quinta-feira pela agência governamental responsável pelo controle da qualidade do ar, a fumaça do cigarro fica na mesma classificação dos gases produzidos por carros a diesel.
Isso pode permitir que o Estado amplie as restrições sobre o fumo.
Para a agência, muitos estudos científicos ligam o fumo passivo ao aumento de risco de uma série de doenças, que vão de câncer a problemas respiratórios.
A Califórnia já é um dos Estados – e um dos locais no mundo – com as maiores restrições ao fumo.
Foi o primeiro Estado a proibir o fumo no local de trabalho e também foi pioneiro na proibição do fumo em restaurantes e bares.
Um estudo recente mostrou que apenas 16% dos californianos fuma, mas que 54% dos adultos e 64% dos adolescentes estão expostos ao fumo.

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take notes

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Os dias vão indo mais ou menos assim: trabalho, trabalho, trabalho, um fora aqui, outro ali, o que me deixa razoavelmente preocupada [tenho um belo e pesado saturnao no ascendente caprica!], mas ninguém parece pensar que é o final do mundo. Ontem ouvi um conselho – fique calma, nada disso aqui abala as estruturas do planeta. Mas às vezes me sinto como se estivesse na beirinha de uma piscina olhando fixamente para a água, refletindo sobre as condições de temperatura e possibilidades de flutuar ou afundar, e vem alguém e me empurra bruscamente, não me oferecendo a opção de fechar o nariz com as pontas dos dedos ou mesmo dar uma respirada extra. É vai ou vai, e eu vou!

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the night of the hunter

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Pra quem quiser saber: me acabei de chorar, de encharcar o travesseiro e ficar com dor na cabeça e no maxilar, vendo um filme dirigido pelo Denzel Washington, Antwone Fisher. Não sei por que faço isso comigo, assistindo à esses dramalhões terríveis, nem entendo por que sou tão sensível à qualquer história que tenha criança, velhinho ou, pior, animal sofrendo.
Antes de começar a ver Antwone Fisher eu já tinha chorado e já tinha mudado de canal bruscamente, enquanto enxugava as lágrimas na manga do pijama e murmurava, por que somos tão maus e crueis com os bichos? Juro que só vi uns dez minutos de Two Brothers, de Jean-Jacques Annaud, que conta a história de dois tigres irmãos.
Estava revendo o magnífico A Place in The Sun, parte de uma homenagem do TCM à Shelley Winters, que morreu na semana passada. Ela está odiosa e repugnante, Montgomery Clift está lindo e idiota, e Elizabeth Taylor linda, linda.
Agora revejo outro filme da Winters, onde Robert Mitchum com “love” e “hate” tatuado nos dedos vem se apossar do dinheiro roubado pelo marido morto da caipira Shelley Winters.
Filmes antigos são o máximo. Posso revê-los dez mil vezes que nunca canso. E esse post deveria estar no Cinefilia.

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roteiro

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Ontem trabalhei como uma enlouquecida. Não parei desde a hora que cheguei, às oito da manhã, até hora que saí, às cinco da tarde. Aos pouquinhos as responsabilidades vão sendo jogadas nas minhas costas. Na hora que chega um projeto novo – e agora praticamente tudo é novo, me dá um mini-pânico, pois as explicações são escassas. Mas eu faço mil perguntas pentelhas e acho o meu caminho. Mas cansa, se cansa!
Hoje preciso achar um hotel em north Lake Tahoe. Meu marido tem essa mania irritante de decidir tudo na última hora e nunca olhar mapa, reservar hotel. Da última vez que fomos a Tahoe já não era mais temporada, mas agora, pleno janeiro de nevascas, quero só ver. Minhas amigas estão numa casa alugada, mas por causa da indecisão do cara, tivemos que optar pelo hotel.
Está faltando fotos por aqui, né? Imagens alegram o ambiente, mas infelizmente não estou tendo tempo de fotografar nada, mal consigo escrever aqui. As poucas fotos, tiradas na sorte ou recicladas de outros carnavais estão no Chucrute com Salsicha, onde eu escrevo sobre o melhor assunto do muuuunnndoooo!!
Eu não consigo ir visitar minha amiga, pra quem fiz um presente que o gato maluco [quem?] já furou o pacote, nem fazer tricot, nem ver os filmes do Netflix, nem ler revistas, nem ajeitar a minha casa como antes, mas faço uma encomenda enorme de livros de culinária que nem abri ainda – minto, abri dois. Por que não consigo ser uma pessoa ponderada e normal?

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todo dia de semana

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Meus dias se iniciam às seis e meia da manhã, que nem consigo dizer ‘manhã’, pois ainda está escuro. Venho pra cozinha com dois gatos pulando entre as minhas pernas. Ponho uma xícara com água no microondas pra fazer meu café com leite e um waffle na tostadeira. Vou até a laundry e pego os potinhos e a lata de rango felino. É um excitamento, uma coisa tão dramática que dá a impressão que os bichos ficaram uma semana sem ver comida. Eles correm pra laundry quando me vêem caminhando pela cozinha com os potes e se arranjam no tapetinho, sempre na mesma posição: Roux pra direita, Misty pra esquerda. Eu volto pra cozinha, termino de preparar meu café, que é minguado, pois não tenho apetite logo que acordo. Sento e bebo o café com leite enquanto leio e-mails, bloglines. Enquanto isso os mortos de fome devoram o rango, o Roux tudo de uma vez só, o Misty fazendo pausas de lord pra lavar as patas, como quem usa um guardanapo de linho. Eu ainda estou na cozinha lendo quando começa a função do banheiro. Todo dia é a mesma coisa e todo dia eu fico rindo alto, considerando o meu permanente mau humor matinal. Primeiro vai o Roux, que faz tudo escandalosamente. Esse gato não faz nada discretamente, come fazendo barulho, caga e mija fazendo barulho, atá pra andar pela casa ele faz barulho. No banheiro dá a impressão que ele vai virar a caixa de cabeça para baixo. Finalizado a aliviação geral da fome e dos intestinos, ficam os dois caminhando pela casa, como que procurando coisas pra fazer. Se encaram, o Roux dá pulinhos, tenta dar um bote no Misty, que sai correndo injuriado. Um tédio de vida…. Nessa altura já são sete e alguma coisa e eu subo pra tomar banho, me arrumar. Rotina de gato é divertida de se observar, mesmo com um humor azedo, às seis da madrugada.

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no escuro

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Não pensem que eu desisti. Continuo dando as minhas braçadas e pernadas, só que agora é sob a luz da lua. Não vou negar que achei estranho. Aliás, estranhíssimo. Mas fazer o quê? Não consigo ir nadar às seis da manhã, então tem que ser às seis da noite. Tudo escuro, um friooo, eu visto o meu maiô esbagaçado, porque biquini com frio e lua não dá, e tchigun. Invés das nuvens de floquinho, sol quentinho, passarinhos e aviões militares cruzando o céu azul, é aquele breu, um preto salpicado de estrelas, tudo tão escuro que mal vejo as árvores. E a escuridão se mistura com o vapor que sai da piscina, criando um climão diferente. Mas tudo isso não é nada, comparado com o meio metro de caminhada do vestiário pra piscina e da piscina de volta pro vestiário. Preciso trazer um chinelinho, porque o pé dói de pisar no cimento gelado. E o que não está gelado? Sério, é um sacrifício maior do que eu acharia que poderia tolerar. Mas a visão de uma mulher-saco-de-batata sentada numa cadeira de frente para a tela de um computador por quase oito hoas diárias me faz superar o frio e o escuro. Na verdade eu sempre admito alguns minutos após o primeiro mergulho, que essa hora dentro da água, mesmo no escuro da noite, é bom demais, bom demais.

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Save Our Ship

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O dia começou com chuva e uma mijaneira sem fim. Não sei quantas vezes fui ao banheiro, só pela manhã. Tive um workshop nesse meio tempo, com um grupo de writers da UC Davis. Sou uma writer, alright, mas não trabalho exatamente como writer. Tudo, absolutamente tudo que foi falado lá eu já sabia. E choveu, fez sol, choveu, fez sol. Minha bike não tem pára-lamas, então amarrei um saco de loja na traseira, pra não ficar com a bunda molhada. Ficou uma coisa bem tosca, mas me safei. Logo depois do almoço o servidor pifou. Senti um cheiro de fio elétrico tostando, mas estava tão concentrada no html que nem pensei em falar nada. Era o cheiro do servidor afundando. Depois disso desenrolou-se ali na minha frente uma daquelas cenas de submarino americano na Segunda Guerra, quando os japoneses atacavam. Eu não entendia nadinha do que os programadores estavam berrando em estado frenético, mas vi que o website inteirinho estava down. Major disaster! Mas o dedicado comandante geek salvou o submarino, que emergiu são e salvo. A partir daí ficou claro que a bruxa estava solta e até o meu editor de html resolveu dar um bug inconsertável e irritante. A técnica decidiu instalar uma versão nova, perdi as preferências, que ela não salvou de propósito e gastei o resto da tarde reconfigurando tudo. Então pra encerrar o dia que começou com chuva, resolvi fazer uma receita nova da Martoca Stewart pro jantar e não ficou muito boa. Como eu sempre digo pra desculpar as minhas capenguices culinárias, até que ficou saboroso, mas o visual, ai valha-me a deusa.

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medalha de lata

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É uma caracteristica da minha personalidade que eu ainda não sei se é qualidade ou defeito. Eu não sou uma pessoa competitiva e isso realmente não me incomoda. Vou no meu passo, do meu jeito, não estou muito preocupada. Faço o que tenho que fazer e quem quiser passar na minha frente, que fique à vontade. Pode nadar mais rápido e melhor do que eu, ou falar e escrever melhor, e ter lido mais livros, e ter mais amigos, e ter visto mais filmes, e ter visitado mais cidades e mais países, e saber muito mais coisas – pode saber tudo aliás, que eu não vou pensar que preciso me esbaforir e me estabanar toda pra poder chegar na frente e ser melhor que ninguém.

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o passado não condena