realidade besta
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Estamos chegando ao fundo do poço das idéias para essas porcarias de programas de tevê chamados de reality shows. Cada dia aparece algo mais bizarro. Eu pensava que já tinha visto o pior, com Surreal Life, Strange Love e Chasing Farrah, mas ainda consegui me surpreender. Como se ter uma câmera seguindo a demente Farrah Fawcett não bastasse, precisamos de uma câmera seguindo o demente Bobby Brown, em Being Bobby Brown. E outra câmera seguindo duas peruas ricas, mãe e filha, cujo principal objetivo na vida é achar um otário que as sustente, em Gastineau Girls. E outra câmera seguindo uma família de novos ricos cafonas em Growing Up Gotti. Sério, a situação está constrangedora………
Mas o reality show mais deprimente que eu vi até agora, superando de longe até Surreal Life, foi Kept, onde a ex-modelo, ex-senhora Jagger e ex-texana, Jerry Hall procura entre um grupo de rapazes toscos, sem cultura, sem boas maneiras e mal ajambrados, um kept man [tradução: manteúdo?]. Os caras são simplesmente uns boçais, com exceção de dois – um loiro e um mulato – que parecem ter um pouco de cérebro. Os nomes dos gajos variam de Maurizio, a Slavco e Ricardo… Jesus, give me a break, será que esses nomes são verdadeiros ou nomes de guerra? E a Jerry Hall está perfeita como a dona do bordel. Pelo andar da carrugem já estamos em plena derrocada intelectual, rumando para o inevitável declinio do império da tevê norte-americana.
mergulho
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Algumas coisas que fazemos naturalmente revelam alguns traços importantes da nossa personalidade. No meu caso, eu nunca fui de botar pesinho na água da piscina e ficar falando ‘que fria!’, enrolando pra entrar, fazendo vai-que-vai, entrando aos pouquinhos. Comigo é tchibun e fim. Entro de cabeça, mergulhando e me molhando inteira. Dou um berro inicial e depois saio nadando. E tenho uma forte tendência para fazer a mesma coisa com praticamente tudo na minha vida. Nunca experimento, nunca planejo, nem vou e volto, fico refletindo, matutando, indo devagar. Comigo é tchibun. Mergulho de cabeça nas coisas e só quando já estou imersa que vou me tocar onde estou, sentir frio, medo, seja lá o que for. Uns me consideram impaciente, outros inconsequente, e outros simplesmente me acham desorganizada e passional.
Como a vida é uma escola, ela nos faz sentar ao lado de alguém totalmente diferente de você, para te acompanhar nesta jornada. E no meu caso eu divido a carteira com alguém extremamente metódico, que precisa planejar com cinco meses de antecedência, adora ler mapas, colocar esquemas no papel, anotando e fazendo contas e cálculos com aquela caneta que ele sempre tem no bolso, ou puxando a calculadora eletrônica da malinha, fazendo pesquisa, tentando descobrir antes a temperatura, a densidade e o nível de poluicão da água da piscina onde ele vai – talvez – entrar e nadar.
Eu aprendo muito com essa convivência, mas quem eu sou sempre se impõe de maneira mais forte e eu acabo desprezando os mapas, os roteiros, os planos, as opiniões alheias e tchibun, pulo na água sem pensar, nem piscar ou olhar pra trás.
um dia normal
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Como é ruim acordar de sonhos estranhos que me deixam confusa e com a cabeça girando. Onde estou? Quem sou eu? O que estou fazendo aqui? O bendito café-com-leite ajuda na localização: ano 2005, no estado da Califórnia, cidade de Davis, na Cottage Circle, manhã de segunda-feira, meu nome é Fernanda, mas pode me chamar de Fer. Estou pronta para abrir o jornal para ler os quadrinhos que me fazem sorrir. Mas preciso de mais uma dose de café para abrir o feedreader carregado de péssimas notícias do mundo e mais e mais sinopses de assuntos que não me interessam. Leio, escrevo. Perco hora. Banho. Hot-dog. Sinto frio até as três da tarde. Olho as pessoas bufando e se abanando, e eu tremendo, roxa. Cometo um engano, mas não perdi a viagem. Termino um trabalho. Completo uma tarefa. Alguém me pede desculpas. E eu desligo o telefone no meio de uma espera para ser atendida num serviço público. Agora estou com calor. E com cólicas. E pensando o que vou fazer para o jantar. Mais um dia normal pro arquivo da minha vida.
eetzy beetzy
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Lã cor de abóbora caramelizada. Luzes na janela. Música na cozinha. Foram os quatorze dólares mais bem gastos do mês. Bob, Ali e Steve. Almocinho em família. Cineminha com amigos. Lista de compras: cartão de memória maior para a minha digital e um livro de frases pra viajantes. Não quero passar dez dias repetindo excuse, je ne parle pas Français. Muito trabalho. Longa lista de filmes que não vi. Lavandas secam numa sacola de papel. Presentes dos amigos embrulhados. Você pensa estar invisível, mas eu vejo o seu rabo aparecendo. Vinho branco gelado. Eu decido e não tem mais volta. Embora nem sempre eu esteja certa. Flores roxas no papel verde. Cheiro de grama aparada. Gatos cantantes do Keith Haring. Feliz dia dos pais!
fechando a semana
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Faz calor em Lisboa. Chove e faz frio em Davis. Estou preocupada com os meus tomates. Eles não gostam de frio e umidade.
Terremotos e furacões, não tenho paciência pra escândalos de celebridades e a política me deprime.
Tive que fazer mil coisinhas que já estavam em estado de procrastinação catatônico por semanas. Cada coisa num lugar, em diferentes cantos da cidade. Dirige, dirige, nega, dirige.
Qualidades que eu admiro: classe e discrição. Infelizmente nem todo mundo tem. Pior, o que mais se encontra por aí é gente grossa e bocas-de-matilde.
I sing in the rain…..