i know you…!

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Eu sou péssima para lembrar nomes de pessoas. É um problema que ainda não descobri como contornar. Tenho sérias dificuldades, especialmente com os nomes comuns daqui, como Jane, Ellen, Dana, Judith, Janet, Judy, Carol ou Sarah.
Mas em compensação tenho uma memória visual pra lugares e pessoas que é fantástica! Passo por uma rua uma vez e nunca esqueço. Vejo uma pessoa uma vez e fotografo mentalmente o rosto, a postura. Guardo essas informações num banco de dados competente e organizado, pois é só rever o lugar ou a pessoa que a informação vem à tona – plink!
Andei concluindo que nem todo mundo tem essa facilidade. Eu reconheço qualquer pessoa que tenha passado brevemente pela minha vida, mas a identificação quase nunca é recíproca. Antes eu pensava que o problema era eu, que devo ter uma cara comunzona. Mas a verdade é que nem todo mundo tem essa memória boa para caras e lugares como eu tenho.
Hoje cruzei com uma pessoa no arboretum. Foi um segundo. Ela estava saíndo do trabalho e eu fazendo minha caminhada diária. Eu olhei pra ela, enquanto caminhava a passos largos e reconheci a mulher com quem conversei numa festa, meses atrás. Ela não deu sinal de ter me reconhecido, mas eu lembrei de algumas coisas sobre ela:
– trabalha na UCDavis, no departamento de Textiles;
– é divorciada;
– mudou pra Davis vinte anos atrás, por causa de um namorado na época;
– tem um filho casado com uma vegetariana;
– tem um neto, cuja alimentação vegetariana dada pela mãe a preocupa;
– mora numa town house alugada;
Lembro de todos esses detalhes da vida dessa mulher, relatados por ela durante a conversa que tivemos nessa festa que eu fui meses atrás, mas NÃO lembro de jeito nenhum o nome dela…..

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um, dois, três, quatro….

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Meu pedometer chegou e agora estou contando os meus passos, até quando estou dentro de casa, indo ao banheiro, subindo e descendo escadas. Mais uma obsessão, pra minha já infindável coleção!

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gataiada

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gatos do Gabe
[os gatos na janela, olhando os passarinhos]

gatos do Gabe
[gatonildos dividem o espaço na janela]

thenewcat
[o novo gato, fofão, ainda sem nome…]

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quando nós fomos lá longe…

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No inverno de 1994, minha irmã foi nos visitar em Saskatoon, Saskatchewan, Canadá. Foi uma delícia para nós – a parte da família que estava isolada lá nas planícies canadenses. Não sei se foi tão delícia pra ela, que escolheu a pior época do ano para um passeio por aquelas bandas. Mas mesmo assim nos divertimos com o que havia pra se divertir por lá durante o inverno: nadar nas piscinas internas da cidade, ir à biblioteca, patinar no gelo, visitar os amigos, ir ao teatro e ao cinema, sair pra comer, pra beber, pra ver shows e dançar. Até que a vida era bem agitada, mas fizemos tudo isso na cidade, não viajamos.
Então num belo dia, o Uriel ficou indignado – “Como? não levamos a Le pra viajar ainda? mas ela tem que viajar, conhecer outros lugares, ver outras paisagens!”. Mas viajar pra onde, se tudo lá era tri-longe e não tínhamos tempo, nem dinheiro para planejar uma viagem decente, pras Rocky Mountains, pro extremo oeste [Vancouver] ou pro extremo leste [Montreal ou Toronto]?
“Vamos para La Ronge!” foi a idéia brilhante do Urso, achando que estava abafando e fazendo um super agrado para a cunhada.
La Ronge é uma reserva indígena, mais para o norte de onde estávamos. Deixa eu explicar – mais norte do que onde estávamos, era exatamente a fronteira entre o mundo semi-normal e o desconhecido inabitável. Mas não conseguimos argumentar com o Urso e como minha irmã concordou, nos aboletamos no carro com o imprescíndivel kit de inverno [cobertores, chocolates, velas, isqueiros] e fomos para La Ronge.
Passamos por Prince Albert, uma cidadezinha a uma hora e meia de Saskatoon, ouvindo Bob Dylan no tape do carro, comendo snacks e conversando alegremente. Ainda não tínhamos saído da normalidade. De Prince Albert até La Ronge foram três horas de estrada deserta, ladeada de pinheiros e tudo mais coberto de neve. Nosso entusiasmo de desbravadores começou a arrefecer. Eu, que me transformo num monstro em viagens, já fui ficando calada e de mau humor.
Chegamos em La Ronge [que agora já chamávamos de Lá Longe] mortos de fome. Deixamos as malas no hotelzinho e fomos tentar achar um restaurante na rua principal da cidade, que parecia ser a única e era onde ficava tudo, o hotel, o posto de gasolina, o restaurante. Quando chegamos já estava escuro. E estava tremendamente frio…. Não vou lembrar quão frio, mas foi o suficiente pra assustar a minha irmã, que nunca imaginou que pudesse ter um frio mais frio do que aquele que ela enfrentou em Saskatoon.
Alguém nos disse que havia um restaurante do outro lado da rua. Ficamos animados. Mas atravessar a rua em La Ronge foi mais difícil que andar trinta quarteirões em San Francisco com vontade de fazer xixi. Parecía que estávamos atravessando um verdadeiro deserto de gelo….. e eram apenas alguns metros. E o restaurante estava fechado!! Voltamos, nos agarrando um nos outros, xingando, chorando, isso não é justo, que absurdo, minha retina está congelando, quem inventou essa merda de viagem imbecil?
Usamos o telefone do hotel e descobrimos que um Kentuck Fried Chicken estava aberto na esquina da mesma rua. Fomos novamente, heróica e bravamente, caminhando até lá. Devoramos uns pedaços de frango frito morno e batatas fritas murchas num restaurante cheio de índios. Eles chegavam dirigindo ski-doos, vestidos em roupas de astronautas, que tiravam no meio do corredor, transformando-se novamente em seres humanos normais, com suas calças jeans, botas de cowboy e camisas de flanela xadrez. Nós, os quatro brasileiros comendo o menu requentado do almoço, éramos verdadeiros ETs ali…. Nunca me senti tão estrangeira, tão peixe fora d’água.
Voltamos pro Hotel, onde dormimos como pedras. No dia seguinte, eu e a minha irmã tivemos um desentendimento no breakfast. Olhando o menu do restaurante, com ovos, bacon e um monte de ítens que ela nem conhecia e nem queria conhecer, minha irmã reclamou e disse que só queria um café normal, será que era tão díficil arrumar um simples copo de leite com Nescau pra beber no café da manhã naquele país? Estávamos numa reserva indígena, no norte do nada, e ela queria um copo de leite com Nescau! Saímos do restaurante de cara virada, ficamos emburradas e choramos dentro do carro, enquanto o Gabriel dormia no banco de tras e o Uriel dirigia pra lá e pra cá, num passeio bucólico pela linda cidade de La Ronge.
“Olha que paisagem linda!”
[tudo branco, cheio de neve, um índio cruzando o lago congelado num ski-doo]
“Grmpfg”
Resolvemos voltar pra Saskatoon mais cedo, quatro horas numa viagem em total silêncio, secretamente felizes por estarmos voltando à civilização. Só podia ser coisa de Urso, inventar um passeio de índio desses…….

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33

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Esta matraca é um blog relativamente maduro, assim como a sua mantenedora, a matraquenta que vos escreve. Nos três anos e três meses em que escrevo quase que diáriamente por aqui, os assuntos e a maneira de escrever evoluiram. Três anos e três meses atrás, o conteúdo deste blog era um amontoado desconjuntado de tagarelices cotidianas. Hoje, o conteúdo deste blog é um conjunto conexo e elaborado de tagarelices cotidianas. E eu me orgulho muito dessa evolução!
Mas estes três anos e três meses não são nada, quando eu penso no aperfeiçoamento que a minha eloqüência escrita teve na última década. Imaginem só se os blogs já existissem doze anos atrás, quando eu saí do Brasil e fui morar no Canadá. Lá, todo e qualquer assunto, em qualquer tipo de conversa, escrita ou falada, era gerado, desenvolvido e circulava sempre em torno do clima. Então com certeza esta Matraca teria posts assim:
“Hoje nevou!”
“Hoje está -15ºC!”
“Hoje nevou!”
“Hoje está -20ºC! Que lindo dia, vamos patinar no gelo!”
“Hoje está -30ºC!
“Hoje está -42ºC, mas com o windchill estamos sentindo -62ºC e o ranho congelou dentro do meu nariz quando eu saí na rua!”
Felizmente eu mudei de país, de clima, melhorei o contexto, diversifiquei os assuntos e sofistiquei um pouco a minha maneira de escrever. Hoje elaboro sobre patos, gatos, ursos, tomates, filmes, blues e rock ‘n’ roll. Mas calcula quanta história boa que ficou no passado, sem ser contada? Pois no próximo post eu vou contar uma delas e assim tentar tirar o atraso desta fase tão rica, porém blogless, da minha vida…….

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Neil in Sac

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Eu escrevi sobre Dead Man e nem mencionei que o Neil Young vai fazer um show aqui em Sacramento no final de fevereiro. Ele vai se apresentar junto com a banda Crazy Horse. Eu queria muito ver o Young, mas ando meio duranga e os ingressos são um pouco mais salgados do que eu pensava. Estou numa dúvida horrível, porque não é sempre que o Young está em turnê, quanto mais acompanhado da Crazy Horse.
Isso me fez lembrar das histórias que li sobre Neil e a Horse em Shakey, a biografia quase-autorizada do músico, escrita pelo Jimmy McDonough . Seria uma boa oportunidade de ver de perto se esses músicos tocam mesmo, ou se só enrolam e são paus mandados do Young, como o livro insinua….

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determinação

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Foi uma segundona de feriado tediosa, nublada, feia, escura e gelada. E um casal fazia um picnic, com cestinha de vime cheia de comidinhas e toalha espalhada na grama seca do arboretum. Quando se quer algo com muita vontade…..

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Dead Man

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Eu estava escrevendo um artigo sobre Neil Young em 1995, quando li que ele estava trabalhando na trilha sonora de um filme do Jim Jarmusch. E na época eu li que ele compôs todas as músicas enquanto assistia ao filme Dead Man num telão. A guitarra de Young até parece um trabalho de improviso, mas os acordes se encaixam perfeitamente em cada cena do filme. A música de Neil Young é o arremate perfeito para um filme perfeito. Uma obra-prima, na minha opinião.
Mas eu não vi Dead Man em 1995. Vi ontem, na tevê. E me senti como se tivesse perdido um trem, que só passa de vez em quando. Por quê eu não fui ver esse filme no Broadway Theater quando ele passou por lá? Não sei…..
Dead Man é um western em preto & branco. O contador William Blake [Johnny Deep] pega um trem em sua cidade natal, Cleveland, e parte para o oeste onde ele tem uma possibilidade de um emprego. Tudo dá errado. Ele não consegue o trabalho e ainda mata o filho do todo-poderoso da cidade em auto-defesa. E foge. Blake é perseguido, ferido, encontra um índio chamado Nobody [Gary Farmer], que acredita que Blake é o poeta inglês e que se torna um guia espiritual na sua jornada do contador de encontro à morte. O filme é cheio de metáforas, poesia, detalhes curiosos, chocantes e engraçados. A fotografia é belíssima, a música é perfeita, os atores estão impecáveis. Muitas aparições breves, como as de Iggy Pop, Gabriel Byrne, Robert Mitchum, John Hurt, Alfred Molina e Billy Bob Thornton.
O índio Nobody cita pedaços das poesias de William Blake durante o filme. Algumas cenas são intrigantes e remetem ao fato de que Blake está morto ou morrendo. Nobody sempre pergunta se ele ” tem tabaco” ouvindo sempre a mesma resposta “não, eu não fumo”. O tabaco é uma oferta espiritual que os índios colocam junto com seus mortos.
Dead Man tem cenas hilárias, como os bandidos discutindo o que Blake fazia com seu cabelo para mantê-lo tão macio. Entre eles, Iggy Pop, vestido de mulher. Jarmusch também presta homenagem à Lee Marvin, com dois personagens carecas idênticos, chamados Lee e Marvin. O filme tem algumas cenas grotescas [um dos perseguidores de Blake comendo o braço assado do seu companheiro], outras poéticas [Blake deitando no chão ao lado de um pequeno cervo morto] e muitas cenas simbólicas ou simplesmente bonitas.
No primeiro encontro entre Bill Blake e Nobody, o índio pergunta:

– did you kill the white man who killed you?

E Blake responde:

– i am not dead.

São muitos os detalhes significativos em Dead Man, que conta apenas a história soturna de um homem comum sendo empurrado brutamente em direção ao seu inevitável destino – a morte.

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só dois dóla!

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A sogra do meu filho é uma antique dealer. Ela é também uma thrift shop junkie. E está me passando o vírus. Eu começei a freqüentar um dos thrift shops daqui de Davis por causa dela. Primeiro achei uma Le Creuset por oito mangos, depois uma similar belga no mesmo estilo por seis. Me animei mais ainda quando achei um conjunto lindo de oito xícarazinhas de café italianas por três pilas. Depois disso achei muito mais coisas, como um conjunto de seis xícaras para café inglês por três mangos e outro – esse inacreditável – inglês com doze xícaras e píres e doze pratinhos de pão por três! Fiquei viciada e agora vou sempre lá. Já comprei pázinhas para patê, copos, taças de champagne, travessas de porcelana, potes e mais potes de cerâmica… Eu mostro minhas aquisições pra Reidun, porque quero saber se não comprei lixo. Ela examina tudo e diz “great find!”. Ela sabe….!
Ontem ela me ligou, pra me avisar que uma Good Will que ela freqüenta, na cidade onde ela mora, iria fazer uma liquida de final de semana: todas as roupas na loja iriam custar dois dólares! Essa loja é uma coisa, eu já fui lá algumas vezes. Ela fica em Novato, que fica no Marin County, que é uma das áreas mais ricas daqui do norte da Califórnia. É inacreditável o que aquela gente doa pra caridade…. Roupas novinhas, algumas com a etiqueta da loja ainda pendurada, com a goma, coisas que parecem nunca terem sido usadas. E quase tudo lá dentro têm etiquetas reconhecíveis, como GAP, Banana Republic, Donna Karan, Jones New York, Ann Taylor, J.Crew, Esprit…
Eu fui. E quando cheguei na loja, fiquei pasma com a quantidade de gente lá dentro. Eu fico tonta no meio de multidões e tive um pouco de dificuldade pra olhar as coisas e focalizar. Mas mesmo no pandemônio da muvuca, com pessoas sobrecarregadas de pilhas e pilhas de peças de roupas, pegando mais do que as mãos conseguiam segurar e a tensão de chegar primeiro e agarrar aquela roupeta fantástica, consegui achar uma calça e uma saia do meu tamanho e uma echarpe! Também comprei umas colheres para pegar salada de madeira pintada e um quadro. Mas a melhor coisa ficou para a hora de pagar, porque a Reidun me conseguiu mais cinqüenta por cento de desconto, em cima do preço da liquidacão! E me disse com uma gargalhada “it pays off to shop here everyday!”. Ela realmente sabe…..!

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o passado não condena