[penúltimo]

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Desencanei mil por cento disso já faz uns anos. A última coisa que me preocupa na passagem do ano é roupa. Sempre tenho algo e não saio pra comprar nada. Acho um saco tudo isso. No ano passado usei uma saia longa do ano anterior [que foi nova], uma blusa linda mas velhíssima e uma outra de lantejoulas que era nova. Amanhã não sei. Tenho uma túnica e um casaquinho que nunca usei. O resto vai ser velho mesmo. Também não vai ter uvas brancas nem romã. Na verdade nem sei onde vou jantar na passagem do ano. No dia primeiro farei almoço em casa, um presunto, purê de batatas e salada. É o que o meu filho quer. Mas hoje, que é apenas o penúltimo dia do ano, tem torta de ricota e polenta, salada de folhas verdes com molho de kinkan e galettes de alho poró e batata que fiz pras receber minhas amigas J. e K. E vinho, muito vinho!

Debbie & Carrie

Minhas amigas são pessoas super simples. Uma delas acabou de perder um cachorro adorado, fez eutanásia. Ela me ensina muito sobre altruísmo e caridade. A outra tem uma filha e quatro netos vivendo em North Dakota. Ela tem histórias incríveis da família californiana vivendo no meio do nada, agora um nada coberto de gelo. Posso afirmar que oitenta por cento da nossa conversa foi sobre política e o desespero do que está pra vir. Mas nos despedimos desejando que 2017 seja fenomenal, porque de uma maneira ou de outra será.

O ano começou com a morte do David Bowie e eu pensei que não fosse superar tamanha tristeza. E o ano termina com as mortes da Carrie Fisher e da Debbie Reynolds, que eu não sei como vou superar tanta tristeza. Uma mãe que não aguentou a morte da filha. Um amor de mãe sem fim, imenso, incondicional, um amor que eu achava que não fosse possível existir.

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[all I want for Christmas is you]

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O melhor presente que recebi no Natal foi meu filho ter ficado aqui com a gente, das 5 da tarde do dia 24 até as 3 da tarde do dia 25. Ele e a cachorra Alaska. Conversamos, jantamos, conversamos, abrimos presentinhos, conversamos mais, dormimos, acordamos, conversamos, tomamos café, caminhamos, conversamos, almoçamos, conversamos e fomos ao parque de cachorros. Amanhã ele vai acampar nas montanhas com a cachorra. Deusdocéu como é fofa essa cachorra!

Tanta coisa que não escrevi este ano e nos anos anteriores, porque era muito particular ou porque não tive tempo nem vontade. Meu registro é aqui. É aqui que vou voltar sempre e rir ou chorar ou me espantar ou simplesmente não me lembrar que vivi o que escrevi.

A vida é cheia de reviravoltas, você passa uma infinidade se achando a vilã da novela e de repente você percebe que não era nada daquilo, a vilã era a personagem que posava de boazinha. Sem falar nas fachadas, que podem enganar alguns por um tempo, mas não vai enganar todos o tempo todo. Muita coisa que eu vejo e percebo, guardo pra mim. Shiu.

Outro dia vi agendas 2017 pra vender e meio que me espantei. Sei que ainda existem leitores de livros, colecionadores de LPs, gente que revela fotos, escreve cartas, telefona de orelhão, mas pra mim isso tudo é coisa de um século passado.

Queria fazer uma lista de resoluções, mas isso não combina mais comigo.

vamos indo por aqui

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epifanias

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Não tenho nada pra dizer sobre Natal porque não me preparei, acho que nunca mais vou me preparar. Enchi enormemente disso tudo. Ainda fazemos árvore por causa do meu marido. Os enfeites são os mesmos que comprei quando mudei pra Woodland e meus sobrinhos vieram me visitar. Os enfeites comprei pra eles e acho que vou usar pra sempre. O resto é tudo mecânico, coloca as coisinhas, as bolinhas, os enfeitinhos, cada ano ponho menos. Meu marido é quem faz questão das luzinhas. Este ano quis uma árvore simples, pequena, sem muitos galhos. não achei guirlanda natural pra porta, ficou sem.

Queria refazer algumas comidas que comia na casa dos meus pais. Era inevitavelmente um carneiro assado e uma panela de cabrito à caçadora. Falei com a minha mãe sobre isso e fui atrás de uma receita pro cabrito. Foi então que tive o choque da minha vida—o cabrito é o filhote da cabra, um baby goat! Era isso que comíamos no Natal, um bebê! Fiquei tão aparvalhada, não conseguia me conformar. Alguém me disse—alguns cabritos são malvadinhos, tenho certeza que você comeu um deles e não um dos fofinhos. Na verdade eu mal comia o cabrito, eu gostava mesmo era do molho, com tomate e vinho, onde eu molhava o pão. As recordações dessas comidas ficarão, mas a realidade é que não posso mais com isso de comer esses bichos fofinhos, fodam-se as tradições, neste ano vou fazer uma bacalhoada.

Queria entender por que o Natal dá tanta melancolia. Eu tive bons Natais dos quais ficaram ótimas recordações. Mas tive alguns Natais tristes, como o último que passei no Brasil, com meu pai doente. E os inúmeros quando eu queria estar onde não era mais possível estar. Me conformei, me adaptei e hoje vivo com o que posso ter. Agora meus Natais são quietos, eu cozinho, a gente acende a lareira, ouvimos jazz antigo. Uma das minhas melhores lembranças de Natal foi quando passei sozinha com o meu marido. Ficamos o feriado inteiro só nós dois, sem festança, sem gentarada. E foi muito bom, como deveria sempre ser.

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estou feliz porque está chovendo

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Sim, estou.

Só quem vive num lugar onde quase não chove pode entender esse sentimento. O barulho e o cheiro da chuva. Não chove no verão, é somente no inverno. Então a chuva traz frio, que eu também gosto.

Trabalho em casa um dia por semana, que sorte que estou em casa hoje e está chovendo. Olho pro lado e tem chuva no quintal. Não ligo rádio, fico em silêncio.

Quando eu trabalho em casa eu como a qualquer hora, quando tenho fome. No inverno faço caminhadas quando não está chovendo [hoje não vai dar], mas no resto do ano eu vou nadar. E vou buscar uma dúzia de ovos na fazenda. O gato fica colado em mim sempre—inverno, primavera, verão, outono. Não aguento isso!

Na hora do almoço não almocei, porque já tinha comido antes e fiquei dobrando roupa e vendo The Bride Goes Wild [1948] com a June Allyson e o Van Johnson. Nem gosto muito dela, mas dei muitas risadas altas. Um filme da mesma idade da minha casa.

Hoje tem ovos, também tem azeite novo e tem muita chuva.

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funiculi funiculá

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Meu nível de raiva e frustração—andei 45 minutos com o meu marido e fui o tempo todo cuspindo fogo sobre política. Me senti doente depois. Acho que estou. Ando tão irritada, tao triste, tao abismada, simplesmente não me conformo. Está complicado pra mim ficar lendo e ouvindo noticias sobre o nosso “futuro” aqui nos EUA, com o canalha-eleito. Só me tranquilizo um pouco porque felizmente vivo na Califórnia. Quase um oásis no meio desse cenário horrivelmente deprimente.

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o passado não condena