de perto ninguém é normal
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Eu tenho um livro de receitas bem bonito chamado I AM ALMOST ALWAYS HUNGRY, que comprei só por causa do título. Me identifiquei, pois sou exatamente assim—estou quase sempre com fome e não sei explicar por que. Talvez seja o meu metabolismo. Eu não preciso me entupir de comida ou fazer uma refeicão completa, mas preciso de uma fruta, um suco, um biscoito, uma barra de granola, uma fatia de queijo, de duas em duas horas. Trago uma lancheira pro trabalho. Meus colegas devem pensar—what the flock? Mas eu preciso das coisinhas da minha lancheirinha, principalmente no período da manhã, pois meu café às 6:30 am é paupérrimo. Além do que fico com fome ao ver alguém comer ou vendo foto de comida ou mesmo se vejo uma cena de filme com gente comendo. Imagine o meu suplício assistindo ao Food Network. Mas acho que metade da humanidade é assim e felizmente eu tenho condições de satisfazer essa fomezinha neurótica e mimada.
Meu café da manhã não é nada sofisticado, mas precisa ter um item que é completamente imprescindível pra mim: uma xícara de café bem forte com um pingo de leite assim que eu acordo. Sem esse líquido eu não funciono, não saio do lugar, as células cerebrais não reconectam e eu não me livro do mau humor que acorda comigo todo santo dia. Como resolver isso quando eu viajo e saio da minha rotina? O coitado do meu amigo Moa que bem sabe! Ele acordou todo pirilampo e sorridente, quando eu estava hospedada na casa dele, e foi fazer panquecas de cranberry, laralás e tals e eu sentada num banquinho da cozinha, vestindo minha camisetona do super-man, com a cara tri-amassada e esperando uma caneca de café aparecer a qualquer momento para me ajudar a iniciar decentemente o dia. Como o papo rolava, mas o café não aparecia, deixei de lado meus melindres de visitante e pedi encarecidamente—será que eu podia ter uma xícara de café, PELOAMORDEDEUS?? No dia seguinte um xícrão de Nescafé foi providenciado rapidamente!
Todo mundo tem suas maniazinhas: não gosta de cebola crua, gosta de comer feijão com macarrão, descasca a maçã, põe açúcar no mamão, come arroz com colher, não mistura a salada com a comida quente, enche o suco de gelo—you name it! Eu tenho inúmeras e uma delas é que eu DETESTO ficar com as mãos sujas de comida enquanto estou comendo. Então já protagonizei algumas cenas Seinfeldianas, quando comi com garfo alimentos que não são comuns de se comer com garfo. Uma mania quase inconfessável é a minha adoração por Cheetos, aquele salgadinho de milho cor de abobrão, que quando me dá vontade de comer, eu compro na seção dos orgânicos pra aliviar um pouco a culpa. Eu como os Cheetos com um garfo, é claro. Anos atrás, quando eu trabalhava como professora, virava e mexia eu aparecia na escola comendo os tais com um garfo de plástico. As outras professoras viam aquilo e não se conformavam. Já as crianças nunca viram exatamente o que eu estava comendo, pois eu escondia o saco de Cheetos dentro de um saco de papel marrom. Eu sou meio boba da côrte, mas nunca dei moleza pra criançada rir da minha cara!
»outro texto forte e simpático importado de lá.
nhoc…
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Besta sou eu, que fico tomando meus chazinhos e petiscando meus snacks saudáveis de frutinhas e bolachas integrais, enquanto meus colegas sorvem litros de café com toneladas de açúcar e devoram chocolates de todo tipo, biscoitos amanteigadas e salgadinhos industrializados. Tento manter minha pose blasé de gente superior, que não se auto-polui com porcarias. Mas despenquei do pedestal natureba no minuto em que mastiguei a terceira colher cheia de sementinhas de romãs. Um terrível gosto amargo inundou a minha boca, se misturando ao adocicado da fruta e me dobrou numa careta de surpresa e desgosto. Fiquei confusa por alguns segundos, fazendo aquela cara de pléé. Quando coloquei a lingua pra fora, dela cairam sementes de romã mastigadas e uma joaninha—das vermelhinhas com pintinhas. Não tive condições de ver se ela ainda estava viva.
As joaninhas são fofas—não só porque elas são bonitinhas, mas também porque elas fazem parte do time do bem, os good guys, que ajudam a combater as pragas na agricultura. Você pode comprar um saquinho cheio delas e espalhar pelo seu jardim, que além de enfeitá-lo, as joaninhas vão comer qualquer tipo de pulgão que por acaso esteja infestando suas rosas e plantas. Lindas e úteis. Mas não são comestíveis.
»outro texto migrado de lá.
o cheiro das coisas
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Todo mundo sabe como funciona e tem uma história pra contar com relação a essa memória do olfato. Aquela que nos faz relembrar de coisas, pessoas, reviver momentos, nos remete num flash a algum outro lugar ou tempo, nos faz viajar na lembrança. Hoje eu vivi um episódio desses, ao sair do banheiro do Robbins Hall. Uma estudante estava num nicho no corredor, onde ficam uma mesa, cadeiras, sofás, uma máquina de xerox e uma estante com panfletos e livretos. Ela falava no celular numa língua asiática, sentada à mesa, onde repousava o resto do seu almoço: uma dessas vasilhas enormes de isopor, onde se joga água quente e faz uma sopa de noodles. Passei por ela e imediatamente senti um cheiro de comida. Era um cheiro familiar e particular, um cheiro que me teletransportou para um outro prédio acadêmico, num outro país, por onde eu também passava frequentemente. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu fiquei uns segundos tomada por aquela sensação calorosa da lembrança. Aquele era o cheiro da cafeteria que tinha num dos andares do suntuoso prédio da Agricultura da Universidade de Saskatchewan. Um prédio todo de vidro, estrutura moderna, que custou não sei quantos milhões de patacas canadenses, e que tinha o mesmo cheiro da sopa de noodles da estudante da Universidade da Califórnia—desses no recipiente de isopor, que se compra em qualquer supermercado por uns meros mirréis.
»também daqui.
alguma coisa está fora da ordem
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Meu mau humor matinal é conhecido e notável. Por causa dele eu acordo muito mais cedo do que precisava, para ter tempo de me recompor e chegar no trabalho com uma cara apresentável e um ânimo mais apropriado para me integrar civilizadamente com outros humanos. Eu não faço nada antes de beber uma xicarazona de café com leite morno e sem açúcar, depois ler e-mails, mordiscar uma bolacha, tudo feito no escuro e em silêncio. Só depois desse período de reajustamento no planeta dos acordados, com os neurônios reconectados, é que eu vou tomar banho, decidir roupa, depois fazer a lancheira, porque meu café da manhã não é suficientemente robusto para me sustentar até a hora do almoço. Meu ritual matinal leva quase uma hora e meia, até que eu finalmente possa montar na minha bicicleta e pedalar pelo campus para iniciar o meu dia.
O que acontece quando a rotina é interrompida e invertida, numa fatídica manhã quando o relógio não tocou, porque o cabeção esqueceu de armá-lo na noite anterior? Correria, pânico, caos, incredulidade, amargura! Invés de descer pra beber tranquilamente o meu café, entrei no chuveiro e depois desci correndo para preparar a lacheira—e donde estava a lancheira? ela tinha passado a noite na bicicleta, com um pote de iogurte dentro e a casca da banana congelada—pra poder tomar café no trabalho. Montei na minha bicicleta e pedalei pela neblina densa e gelada, de cara amassada, estômago vazio, um humor que já tinha apodrecido de tão amargo, os olhos lacrimejantes de estupor e insatisfação. Não sei como cheguei no trabalho, não sei como estacionei a bike, não sei como consegui articular um good morning pros meus colegas, não sei como lembrei da senha para entrar no meu sistema, não sei como encontrei uma caneca maior no armário, não sei como enchi ela de água quente e fiz o café com leite morno e sem açúcar. Não sei como desembrulhei e mordi as torradas—eu consegui colocar duas fatias de pão de passas com canela na torradeira e embrulhar em papel alumínio?
Uma hora depois, uma xícara de café com leite sorvida, duas torradas mastigadas, a amargura foi desaparecendo, fui abrindo os programas e iniciando minhas tarefas, liguei a música, olhei pela janela, vi as bicicletas passando, o sol que começava a despontar por detras dos prédios, a neblina finalmente tinha se dissipado, da cidade e da minha cabeça.
»mais um texto de lá pra cá.
sou um pudim ambulante
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Bem na minha frente e atrapalhando o meu acesso à marca de desodorante que eu costumo usar, estava uma mãe com quatro filhas. As meninas abriam os desodorantes um por um, cheiravam e murmuravam comentários elogiosos, dependendo do tipo de perfume. Violeta espanhola, hmmm, esse é realmente delicado. Algodão doce, ohh, esse eu gostaria de lamber. A mãe tentava dissuadir as meninas daquela lenga-lenga que a estava empatando, dizendo algo como—vocês ainda são muito novas pra usar desodorante, o que vocês precisam é apenas um bom banho. Concordei. A mãe também precisava de uma chuveirada, mas isso não vem ao caso. O caso é que eu não gosto de desodorante com cheiro forte e a marca do desodorante que eu uso lançou uma linha com cheiros inacreditáveis. Naquela confusão de meninas matracando, murmurando, cheirando, abrindo e fechando embalagens e tirando e pondo desodorantes das prateleiras, eu tive um cinco minutos de ansiedade, peguei o primeiro desodorante que alcançei e casquei fora. Desde então está tudo muito estranho por aqui, pois nunca na vida eu tive um sovaco com cheiro de baunilha e chai.
»outro texto forte trazido de lá.