p-u-f
*
Tenho sentido um cansaço fora do comum. Daqueles que vai dando um desespero, vai tomando conta do corpo, mente e alma, e me faz virar um monstro. Já percebi que tenho meu período ativo durante o dia e chega uma hora—geralmente lá pelas seis da tarde—que o gás acaba e eu vou pifando. É ainda consequência da batalha que está acontecendo no meu útero desde julho. Fiquei um pouco anêmica e tem dias que acho que escolhi o caminho mais longo e difícil, só porque não quis arrancar uma parte do meu corpo fora. Mas o cansaço está forte e me faz chorar, chutar latas, ficar mal humorada, ter mais acidentes que o normal e deitar às oito da noite, um pouco depois das galinhas. Estou cansada de estar sempre cansada. Mas é cansaço mesmo o que eu sinto.
era um domingão
*
Amanheceu mais cedo—saímos finalmente do horário artificial, que aqui chama-se daylight saving time. Agora em tempo real, temos seis horas de diferença com o Brasil.
Choveu a sexta e o sábado. Domingo abriu o sol, céu azul, perfeito para ir à San Francisco.
Atrás de mim na fila do caixa do Co-op estava um senhorzinho bem, bem velhinho, todo curvado, vestindo um chapéuzinho e comprando uma garrafona de vinho, um potão de sorvete Häagen-Dazs, um pacote de farinha, um aipo enorme e carregando sacolinhas de pano. Enquanto esperava a chuvarada amansar no páteo do supermercado, vi o senhorzinho ajeitando as sacolinhas de pano na cesta de uma bicicleta de três rodas. Eu de carro e ele de bicicleta. Pescou a mensagem? Esse é o segredo da longevidade e saúde: não ter preguiça de fazer exercício.
Ontem o Chucrute com Salsicha comemorou três anos. Tem dias que eu mereço e preciso brindar e me embebedar com a melhor champagne por conseguir escrever lá diáriamente. Ce n’est pas facile…
Às seis da tarde me bateu com cansaço monstro, como tem me acontecido regularmente. Deitei e vi um documentário na PBS sobre os fotógrafos da Grande Depressão aqui nos EUA. Daí levantei e promovi uma revolução nos meus armários, closet e gavetas. Fiz a troca roupas de calor—roupas de frio, separei coisas pra doar, outras pra ir pro lixo e guardei umas trinta calças que já não me servem mais, ou melhor, servem mas ficam desconfortáveis. Tudo culpa das malditas fibromas, que transformaram meu corpo num constante incômodo.
Preparei um robusto caldo de carne, que será usado para fazer uma sopa de cebola para um jantar na noite da eleição. Eu não preciso decidir mais nada, já tenho meu candidato à Presidência decidido há anos e vou seguir a recomendação do partido Democrata para os outros representantes, e votar NÃO para todas as propostas de lei, INCLUSIVE na aberração que é a proposta oito e SIM apenas na proposta dois.
seguindo o curso natural
*
Está nevando nos lugares onde neva e está chovendo nos lugares onde chove.
Está chovendo aqui.
desátame
*
Hoje estou me sentindo apertada e totalmente desconfortável com meu corpo. A tendência é por a culpa disso tudo nos meus fibromas, na minha idade ou no meu sedentarismo. Mas a verdade é que eu sempre fui assim. Lembro de ainda criança sentir um desconforto horrivel com a roupa, de arrancar a calça do pijama e depois já adulta chegar em casa e arrancar tudo que estava vestindo, enfiar o sutiã na fresta do sofá até o dia que paguei um mico vergonhoso com um amigo do Uriel. Eu nunca gostei de roupa, nunca me senti confortável nelas e com a idade, o sedentarismo [e os fibromas] parece que tudo piorou. Eu trabalho sentada por oito horas, eu não posso estar apertada. Também não posso ir trabalhar vestida num saco. Tenho que vestir sutiã e calça, blusa, todos esses horriveis objetos medievais de tortura.
Sempre penso que um dia acabarei como uma personagem do Gabriel Garcia Marques, vestida somente com uma túnica larga e branca, correndo pelos campos, de braços abertos, feliz pela liberdade de não ter que vestir roupas.
Hoje estou me sentindo como se eu fosse uma pessoa enorme, embora o espelho me mostre uma pessoa normal. Estou incomodada, apertada, na cintura, na barriga, nas costas, quero arrancar tudo, como eu fazia quando era criança mesmo correndo o risco de levar umas palmadas da minha mãe, porque isso não pode, de jeito nenhum menina, onde já se viu!
e agora são oito
*
Eu gosto de marcar datas, especialmente para poder ter alguma referência e poder relembrar e recontar quando a memória começar a falhar. O marco importante que quero frisar hoje é que completo oito anos escrevendo blogs ininterruptamente. Oito anos de textos diários sobre a vida, sobre comida, filmes, música, gentes, gatos, meu cotidiano aqui nas terras californianas, como também pequenas e grandes viagens.
Quando eu comecei minhas blogagens, os blogs não eram conhecidos, muito menos populares. Meu e-mail chegava nas caixas dos meus amigos com a assinatura que eu uso até hoje [leia o meu pensamento] e os que iam lá checar o que os meus pensamentos poderiam ser, voltavam encantados e entusiasmados. O The Chatterbox foi mãe de muitos blogs nos primórdios da blogolândia, assim como o Chucrute com Salsicha também acabou sendo mãe de alguns blogs de culinária.
Eu e o meu The Chatterbox saimos em muitas reportagens sobre blogs em quase todos os jornais e revistas brasileiros. Estávamos lá nos primeiros relatos, que acabaram dando inicio à febre blogueira que se alastrou pela internet no inicio deste novo século. Era muito engraçado ganhar aquele tipo de destaque, já que eu estava apenas escrevinhando os meus pensamentos sobre o meu cotidiano e sobre a vida. E é isso que venho fazendo até hoje. São três blogs ativos, oito anos de vida, muitos textos, muitas fotos, informação à beça que já dá pra fazer de arquivo da memória, somado à muitos amigos, muitos encontros e alguns desencontros, pois eles também fazem parte. A soma dos oito é extremamente lucrativa, pois desde o inicio que eu tinha absolutamente certeza de ter encontrado a mídia perfeita para por em prática o que eu sempre quis fazer: escrever para quem quiser me ler.