Saindo do banho, fui afastar com o pé direito a balancinha de pesar que achei que estava muito próxima do chuveiro e fiz um corte no dedão. Soltei um xingo alto, pois não doeu nada, somente o meu orgulho, que vive sendo ferido por essa minha incapacidade de me manter inteira, intacta, sem cortes, sem queimaduras, sem cicatrizes. Mas o dedo começou a jorrar sangue. Pingava pingos imensos daquele liquido de cor vermelha, da qual já ando entojada. Coloquei o pé apoiado na privada e enquanto olhava assustada a água ficar negra, gritava pelo meu marido, que estava em casa convalescendo de uma gripe. Quando ele me acudiu e me colocou dentro do chuveiro, para lavar a meleca vermelha, cai desmaiada, enrolada na toalha de banho, completamente despida das minhas virtudes e dignidades. Voltei ao mundo dos seres conscientes com a sensação de uma toalha molhada em água gelada refrescando a minha testa e o som da voz dele falando comigo. Fiquei um bom tempo deitada lá, no chão de ladrilhos frios e molhados. Ele limpou o dedão com algodão e água oxigenada e disse—é um corte de uns 5 milimetros, talvez precise de uns dois pontos. Não quero ir ao hospital, retruquei. E não fui. Pleno sábado à noite, filme na tevê, gato sassaricando animado, eu com o dedão coberto por um curativão e meia, me sentindo uma completa parva.