it ain’t no use to sit and wonder why, babe

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Os estudantes voltaram, as aulas recomeçaram, o campus pulsa, multidões de gente, eu fico tensa na bicicleta, sempre a mesma velha história. Nosso servidor caiu, não sei o que acontece. Ainda há casas sem eletricidade, muita sujeira feita pelo temporal expostas pela ruas. Comi três fatias [pequenas] de pizza, por isso fico letárgica na parte da tarde. Um gato me persegue, como se eu tivesse um imã, o outro nem abre o olho, me ignora porque é hora da longa soneca. O papo pela manhã concentrou-se nas experiências individuais e de ouvir dizer que todos tiveram durante o turbulento final de semana. Não havia papel higiênico no supermercado e eu não sei exatamente o que isso significa. Adorei o filme do Dylan. Não cozinhei. Tudo parado, como se fosse obrigatório preservar qualquer energia. Mudei os móveis da sala de lugar, depois recoloquei tudo como estava. A incompatibilidade do espaço que não permite modificações. O telefone novo fala robóticamente denunciando quem está ligando. Daqui a pouco não precisaremos fazer nada—ler, pensar, escrever, falar. Psicotelepatia.

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o dia seguinte

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Saí de casa para ir ao supermercado e então pude ver o estrago que a tempestade fez na cidade. Pedaços de árvores amontoados por todo canto. A limpeza já foi feita, imaginei como deveria estar ontem! Nunca vi o supermercado tão cheio. Muita gente comprando pacotões de gelo. No primeiro minuto não saquei—gelo? É que muitas áreas ainda estão sem eletricidade, os moradores no escuro, os sobras do peru estragando na geladeira. Me senti sortuda, pois aqui a eletricidade caiu duas vezes, mas voltou rapidamente. Talvez seja porque estou ao lado do campus da universidade. Ou talvez tenha sido sorte mesmo. Sem eletricidade, com essa chuvarada, esse frio, e esses dias escuros, não é nada divertido. Fui comprar pão e não tinha mais quase nenhum. Acho que pão deve ser comfort food pra muita gente. Fui ao outro supermercado, onde compro outras coisas, e o lugar estava fechado. Nunca vi o Co-op fechado. Deve estar sem eletricidade também. O único efeito que senti foi ter ficado sem conexão de internet. Concluí dessa história toda que estamos completamente despreparados para qualquer situação de emergência.

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it’s goin’ to be rainin’ outdoors

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Está chovendo e ventando de uma forma absurda aqui. Tentei sair de casa para ir trabalhar, mas depois de dar alguns passos na rua o guarda-chuva empinou e me molhei toda. Voltei correndo pra casa e liguei pro meu trabalho avisando. Não tem condições de enfrentar ventos de quase cem quilômetros por hora.
O Roux estava todo excitado, miando e dando patadas na porta de vidro que dá para o quintal. Fui ver o que estava pegando e meu coração se partiu ao meio quando vi um pequeno passarinho, todo enrolado como se fosse uma bolinha, tentando se proteger do aguaceiro no cantinho do batente.
Nesse tempo inclemente, ele está voando para Los Angeles e depois dirigindo para Santa Barbara. Eu nem sei o que dizer. Lord have mercy….

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número novo feliz

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Em trinta minutos será ano novo no hemisfério sul. Aqui ainda temos muitas horas pela frente até as doze badaladas e folguetório. O dia foi normal, como um último dia deveria ser. Troquei, lavei, sequei, dobrei e guardei roupas de cama e banho. Almoçamos sopa de lentilhas, cenouras cruas e azeitonas. A sobremesa ficou ótima. Tirei fotos, li sentada na cadeira de balanço, terminei o livro, vi Gary Cooper e Jean Arthur no final feliz e estou vendo Fred Astaire e Ginger Rogers dançarem The Continental pela milhonésima vez, Chorei, dei gargalhadas, cortei as unhas, pensei 8730989 vezes sobre que roupa vestir à noite e ainda não decidi nada. Falei ao telefone, ouvi os preparativos do outro lado. Dissequei com uma faca afiada um belo pedaço de rack of lamb. Pensei em sair para comprar uma echarpe azul marinho, mas desisti. Rasguei envelopes, rearranjei os livros, pensei no que comerei no jantar—nada de ostras! Beberei champagne? Verei os fogos? Aguentarei o frio? Sentirei algo diferente amanhã? Tenho certeza que tudo será exatamente igual, com a diferença que terei que prestar atenção no número que mudou. Feliz ano de dois mil e oito—o-i-t-o-o, não esquece, tá?

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a chuva lavou o carro

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Por aqui não acontece absolutamente nada diferente. Tudo ainda é velho. Chove e faz frio, o que dá um certo desânimo de colocar o nariz pra fora de casa. Mas isso não é problema, já que na casa tem tudo, tem até pão e leite!
Não vou fazer ceia de ano novo—iurru! Vai ser tudo uma surpresa. Mas terei um rack of lamb descongelado e tenho alface e rúcula fresquinhas e lavadas. E se tem pão, está tudo bem.
Fiz café, que ficou fraco, mas o convidado bebeu, assim como comeu o quiche salgado. Não adianta, entra ano, sai ano, e eu continuo salgando muito as comidas e fazendo café muito forte ou muito fraco. É até chato, porque vocês sabem, né?
O som na caixa é de outros tempos, mas a vida é muito boa aqui, sou feliz onde estou, não olho pra trás, não tenho nenhuma dúvida de que aqui é o lugar onde eu deveria estar, hoje, agora.

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bela, adormecida

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Meu maior sonho de consumo no momento é uma noite inteira de sono. Sem acordar pra fazer xixi no meio da madrugada, sem gato chato comendo o meu cabelo ou espateando a porta às cinco da matina, sem marido tocando a sinfonia roncabraz nos meus ouvidos, sem trem de carga passando no horizonte, sem cachorro pentalho do vizinho latindo, em silêncio, silêncio, das 10 pm às 8 am. Será que é pedir muito? Se não for, poderia ser também com sonhos agradáveis?

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o passado não condena