Alice Doesn’t Live Here Anymore

*

A pior parte do meu trabalhinho voluntário na International House é atender o telefone. Eu detesto falar com gente que eu não conheço, que deseja falar com o fulano ou beltrano ou que quer deixar recado ou fazer perguntas. Detesto!
Essa minha repulsa teria explicação numa saia justa traumática pela qual eu passei na minha primeira semana vivendo fora do Brasil. Teimosa como uma mula, mesmo já sabendo que iria viver quatro anos num país estrangeiro, boicoitei todas as minhas oportunidades de aprender a língua inglesa. Cheguei no Canadá com o parco inglês que aprendi à força no colegial e tive que me virar, já que a única pessoa que poderia me ajudar imergiu num programa de estudos pesadíssimo de doutorado.
Não tínhamos ainda nem móveis na nossa nova casa canadense quando numa bela tarde de final de verão o telefone tocou…. E eu atendi…. Até hoje não sei o que me motivou a fazer essa burrada. Eu não entendia nada que a pessoa do outro lado da linha falava e, ainda pior, não sabia nem articular uma resposta intelígivel, por causa do meu vocabulário ridículamente escasso. Depois de uns minutos de conversa totalmente nonsense, eu consegui entender que o cara queria falar com a pessoa que estava morando no nosso apartamento antes de nós. Eu não sabia o novo telefone dele, nem onde ele estava morando, se era em outra cidade, outra província ou outro país, mas tinha certeza – pelo menos essa certeza – de que ele NÃO morava mais ali! E como dizer isso pro telefonante?
Nada como ter boa memória cinematográfica! No meio da suadeira e nervosismo, o nome do adorável filme Alice Doesn’t Live Here Anymore do Martin Scorsese me veio à cabeça. Pelo menos eu sabia o que essa frase queria dizer, mais ou menos! E mandei bala:
– He Doesn’t Live Here Anymore! He Doesn’t Live Here Anymore!
Salvou a patria! Depois disso, fiquei muito tempo pulando de susto quando o telefone tocava e até hoje não curto conversar com gente que eu não conheço.

  • Share on:
Previous
dindões
Next
detalhes pré-natalinos

o passado não condena