cor-de-rosa & fumegante

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Faz tempo que estou pensando numa coisa e hoje fui checar alguns websites listando cafés em Saskatoon, Saskatchewan. Num deles, cliquei num mapa e quando vi os nomes das ruas e dos parques da cidade onde morei por tantos anos, senti meu coração doer daquele jeito estranho que só as memórias do passado conseguem fazer doer. Isso aconteceu porque lembrei de uma coisa boa dos meus invernos em Saskatchewan. E era obviamente uma bebida: um leite fervendo aromatizado com um xarope de fruta e servido em tigelas brancas de cerâmica. Não me lembro como era chamado, só lembro que entrávamos num café de esquina no final da Broadway Ave e pedíamos o leite com sabor de morango ou framboesa, que vinha fumegando dentro da tigela e bebíamos segurando com as duas mãos. Era para aqueles dias frios, pra descongelar os ossos. Minha lembrança mais querida é do dia que fui lá com a minha irmã. Deusdocéu, ela sofreu naquelas cinco semanas de invernão que passou lá com a gente! Quando eu contava do frio de Saskatchewan, parecia tudo uma piada. Mas minha irmã sentiu na pele que nada daquilo era brincadeira. Um dia fomos fazer não-sei-o-que na Broadway e estacionamos o carro na rua. Era o tempo de atravessar a rua ou andar um mísero quarteirão e já estávamos com as pestanas cheias de gelo. Os olhos eram a única parte do corpo que ficava descoberta. Tínhamos que enxergar e iria ser o cúmulo da ridiculice, além de toda a fantasia de esquimó, ainda ter que usar goggles. Nesse dia entramos no tal café—que não lembro o nome e pelo jeito não existe mais – completamente transtornadas, com as pestanas cheias de gelo, e pedimos duas tigelas de leite com sabor de framboesa. Bebemos sentadas ainda de casacos, cachecol, touca, com as bochechas vermelhas, as pestanas molhadas. O leite fervendo foi esquentando o nosso corpo e a nossa alma. Fomos ficando mais relaxadas, menos transtornadas, fomos tirando os mil traquelaques invernais, tiramos o casaco e ficamos conversando por um tempao lá dentro do café aconchegante e cheio de gente tomando leite, chá, café, lendo livros ou jornais ou conversando, como nós.

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o passado não condena