[a dar ouvidos]

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Uma das minhas colegas de trabalho me conta histórias incríveis. Ela deveria pedir demissão desse emprego e se dedicar a escrever ficção. Inspiração não vai faltar. Num dia ela veio me dizer que estava pensando em talvez ir até a casa da mãe, pois o irmão tinha entrado na floresta há dias para caçar e ainda não tinha regressado. Retruquei exaltada—mas você já ligou pra policia florestal? Ela respondeu sorrindo calmamente—ah, ele sempre faz isso. Outra vez ela me contou umas fofocas envolvendo outros colegas de trabalho. São pessoas que já se aposentaram e com quem eu não convivi muito, mas a história envolvia sexo, drogas, traição e me deixou de bocão aberto. Sinceramente, eu nunca imaginei que rolasse tantos agitos na vida íntima dessa gente. Bafões de bastidores. Bob & Carol & Ted & Alice. Numa outra ocasião ela chegou no meu cubículo segurando um papel e leu pra mim, em tom teatral, a pequena crônica que ela tinha escrito sobre uma cena da sua infância. A tia corria atrás dela com um pau de vassoura e ela enfrentava a megera com xingos audaciosos e pesados pra sairem da boca de uma criança. Eu fiz algumas perguntas curiosas e ela me contou sem constrangimentos que a tia era uma pinguça e o tio abusava sexualmente as próprias filhas. No nosso último convercê ouvi a descrição minuciosa, com toques de comédia pastelão, de como ela foi dar comida para os gatos do namorado e ficou presa na garagem sem acesso de volta à casa. A chave do carro, bolsa e celular trancados do outro lado da porta. Não pude acreditar na paspalhice, que felizmente teve final feliz quando ela convenceu uma das vizinhas a emprestar o filho de três anos, passá-lo pela portinhola dos gatos e depois guiá-lo para que ele abrisse a porta.

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o passado não condena