so don’t think twice, it’s all right
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Me sinto uma jeca tatu do mato toda vez que adentro uma cidade grande e saio de lá estressada. Apenas vinte minutos de carro e já muda todo o astral. Saio da bucólica Davis e viro a própria Violeta Buscapé dirigindo por Sacramento, a capitaR do estado, onde o trânsito é muito mais agressivo, as pessoas são muito menos amigavéis e eu me sinto uma alienígena recém-chegada de outro planeta. Faço tudo o que tenho que fazer rapidíssimo e acelero em direção às placas verdes indicando San Francisco. Esse é o caminho de casa, o brejo, como eu costumo dizer. Mas que brejo BOM!
the pump don’t work ‘ cause the vandals took the handles
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O querido e comportado Macintosh bolotudo e branquinho nunca foi tão desligado e religado como nos últimos dias. Mudou de lugar inúmeras vezes, recebeu a visita do técnico lindo e charmoso e teve que testemunhar um ritual novelesco e melodramatico de gente chutando latas pela casa, chorando descontroladamente, suplicando por clemência, subindo e descendo as escadas com as mãos levantadas pro céu e se perguntando repetidamente por que meudeusdocéu isso só acontece comigo?
Estou achando que os inquilinos mudaram a antena do wireless de lugar. Ou tem um gasparzinho levado da breca testando a minha paciência. Escrevo sentada na cadeira da mesa da sala de jantar. Aqui não é lugar de computador, nem de ficar escrevendo em blog.
sexta é um dia rosa
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Saí apenas por um momentinho para um pipi break e quando voltei a porta da sala não abria. Fiquei trancada pra fora, na situação mais patética que alguém pode involuntáriamente se enfiar. Bati na porta, nada. Bati de novo, nada. Alguém apareceu no corredor e eu confessei com a cara mais tonta do mundo, estou trancada pra fora e não tenho a chave, sou nova trabalhando aqui no Publications. Ele me mandou ir ao terceiro andar, onde encontrei a simpática mso de sobrancelhas eriçadas, que desceu comigo e abriu a famigerada porta. Esses são causos comuns do meu dia-a-dia. Minha vida não poderia ser mais pacata, mas garanto que não sofro de tédio.
pergunta besta que me atormenta
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Eu queria saber por que – sim, por que meu senhor jesus – que toda vez, mas toda vez mesmo que entro num banheiro público tem alguém lá dentro fazendo o número dois. Esse é o tipo da coisa que deveríamos tentar a todo custo fazer só na nossa casa, no sossego e privacidade das quatro paredes e uma porta, sem testemunhas, sem ofender estranhos com sons e odores tão constrangedores.
tá bom, eu admito!
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Não passo nem perto de Martha Stewart nenhuma. Estou mais pra uma Brini Maxwell mal ajambrada e desengonçada. Sou aquela que transforma o feio no horrível, não sem antes ficar um trapo de cansada, suada, descabelada, com dores no corpo e toda cheia de cortes, bolhas e ralados.
Agora estou assim, depois de um dia e meio de um comportamento completamente enlouquecido e descontrolado. Somente porque olhei pra aquela mesinha de cabeceira do quarto de hóspedes e resolvi que iria pintá-la. Foi assim de repente: lixa, lixa, lixa, poeira pra todo lado, me sujei inteirinha, tomei banho, corri na loja, comprei tinta, pincéis, pintei, pintei, pintei, lixei, terminei. Dai tinha o abajour que estava em cima da mesinha e que não combinava com nada. Desencavei do fundo do baú um monte de corte de tecidos, fiz um molde, procurei pela maquininha de cola quente, procura, procura, procura, procura, procura, xinga, xinga, se pergunta se não está ficando louca, finalmente achei a cuja, colei o pano na cúpula do abajour, queimei dois dedos, melequei tudo e depois de mais de uma hora decidindo isso e aquilo, finalmente arrumei o quarto. Quando terminei vi aquela cadeira horrorosa no canto e resolvi pintá-la também. Destarracha o assento, ah, mas são três cadeiras, destarracha os outros assentos, pinta, pinta, pinta, pinta, pinta, pinta…. Estou toda respingada de tinta branca, cheirando a gambá, com dor no lombo, com os dedos queimados, os joelhos ralados, irritada com o resultado da pintaçao e preocupada pensando como vou fazer para que essas cadeiras não fiquem mais feias do que elas originalmente já eram.
Moa e Lau, vocês têm toda a razão: eu não tenho NADA a ver com a Martha Stewart! [podem rir à vontade, tá liberado! haaa haa ha!]
she’s a babe now
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Estava entrando no Farmers Market quando ouvi alguém chamar meu nome com uma voz de surpresa e entusiasmo. Me virei e reconheci apenas o sorriso dentuço. Ela me abraçou e eu só conseguia dizer ‘you look soooo good!’. Acho que foi a primeira vez que eu vi uma pessoa se transformar de uma maneira tão drástica.
Ela era a diretora da escola para qual eu trabalhei nos meus primeiros anos aqui em Davis. Ela não era a pessoa mais querida e popular do pedaço, mas eu gostava dela. Ela tinha sempre um abraço, palavras carinhosas e estava sempre disposta a bater um papinho. E não era qualquer papinho, conversávamos sobre computadores, internet, livros e, principalmente, música. Ela era fã do Blues e quando descobriu que eu era também, sempre trocávamos informações pelo corredores – você viu quem vem tocar no The Palms? você precisa conhecer fulano de tal! vou trazer uns cds pra você ouvir. Aprendi muito sobre Blues contemporâneo com ela, que me olhava com estranhice e sempre com aquele sorriso dentuço, quando me ouvia desfiar o rosário dos meus ídolos, Robert Johnson, Muddy Waters, Mississippi John Hurt, Son House, Ma Rainey.
Ela tinha seus quarenta e poucos anos, mas aparentava mais. Se vestia num estilo conservador casual – compradora compulsiva no catálogo da J. Jill. Ela era uma americana alta e loira, nascida em Upstate New York, e era gorda, muito gorda. E com o passar dos anos foi engordando progressivamente numa escala tão assustadora que eu já previa uma grande derrocada para breve, traduzida num derrame ou ataque cardíaco.
Depois que parei de trabalhar ainda passava pelo escritório dela pra fazer pequenas visitas. Na última vez que a vi, ela estava saindo do emprego de diretora para vontar a ser professora e chorou na minha frente, dizendo que estava numa crise, que não era feliz, que queria mudar tudo, começando com o emprego que ela detestava.
Revê-la no Farmers Market neste final de semana foi uma grande surpresa. Ela estava magérrima, quase irreconhecível. E estava toda produzida, unhas pintadas de um rosa chocante, corte de cabelo moderno, roupas sensuais, uma nova pessoa, nova atitude, trabalhando meio período, viciada em ginástica, comendo orgânico e natural. Conversamos por um tempão, ela me contou que vai a um show de Blues na próxima semana, eu relatei o patético show que o Dylan fez em outubro passado na UC Davis. Fiquei o resto do dia pensando na transformação radical pela qual essa mulher passou e percebi, mais uma vez, que realmente nada é definitivo e nada é impossível nesta vida.