but the world goes ‘round
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Histórias do cotidiano de uma pessoa comum têm que ser repetitivas. Não tem como escapar do ciclo – como as estações, os aniversários, as comemorações oficiais, os xis marcados nos calendários, as festas, as marés ou as fases da lua. Tudo vem e vai, vem e vai, vem e vai. É uma boa explicação e até uma reflexão para entender porque estou sempre escrevendo sobre os mesmos assuntos ou publicanto fotos tão parecidas por aqui.
Todo ano eu faço aniversário e publico aqui os números dramáticos em letras garrafais, depois esfria, as folhas das árvores ficam amarelas, vermelhas, douradas e caem, acendemos a lareira, o gato quase queima os bigodes, assamos um peru que dividimos com a família no dia de agradecer, fazemos compras, ficamos com dor no lombo varrendo folhas, começa a chover, eu me acovardo da piscina, tiro fotos dos enfeites de Natal, publico um cartão e desejo tudo de bom para todos, fico aliviada quando o ano se inicia, como nove sementes de romã, reclamo que não pára de chover, reciclo, recrio, me animo com a chegada da primavera, encho o saco da humanidade com as minhas fotos de flores e, principalmente, rosas. O jasmim abre, capino a horta, planto tomates, as pestes chegam devagarzinho. O Gabe faz anos, faço o meu próprio breakfast no dia das mães, reclamo que esta ficando muito quente, nado diáriamente, não tiro as havaianas legítimas dos pés, arranco mais mato, detono as pestes e colho tomates, o Ursão viaja, viaja, viaja e eu reclamo mais um pouco, as aulas e o ano recomeçam na UC Davis, eu aguardo ansiosamente uma brisa de outono, faço compras, combino uma social com os amigos, asso um bolo, vou dançar o Blues, penso no meu aniversário que já está chegando, jesus como este ano voou!
Por isso, estou parando um pouco de me incomodar com a repetição dos meus assuntos, pois a vida é terrivelmente repetitiva e não é assim que é bom?
vida com gatos
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Espateação nas portas, miação e barulhada às seis da manhã porque eles precisam comer. Grunidos e miados estridentes durante uma perseguição que vai resultar em chumaços de pêlos voando pela casa toda [que acabei de limpar]. Reclamações auditivas e visuais – tapetinho dobrado dando a dica – porque o banheiro está sujo demais para os padrões sofisticados de um felino. Teimosia irritante, insistindo em dormir em cima do sofá da sala que é único lugar da casa proíbido para os peludos. Roncos escandalosos. Barulhão exagerado de boca devorando a comida – nhacknhack. Vômitadas no meio da sala [sempre quando acabei de limpar]. Insistência em beber água na privada. Ração espalhada pelo chão da cozinha. Atos de aproximação interesseiros, querendo snack ou comida. Arranhadas no tornozelo. Copos com água entornados e quebrados no banheiro. Impossibilidade de arrumar a cama, pois um gatonildo está espalhado folgadamente nela. Pêlos por todos os cantos. Ratinhos de pano debaixo de todos os móveis. Perigo mortal nos tapetes da cozinha, onde eles se espicham enquanto você está afobada tentando fazer o jantar. Flagras em cima da mesa. Caras de sonsos. Caras de bobos. Caras de quem sabe que a casa já está totalmente dominada e você é a única que ainda não percebeu.
mereço chicotadas
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Agora me digam o que uma pessoa razoavelmente inteligente e com um pouquinho de senso crítico está pensando quando resolve assistir reality shows absurdamente bizarros como The Surreal Life ou Strange Love?
O primeiro reality nem tem uma finalidade específica. Um grupo de weirdos-hasbeens é colocado pra viver e interagir numa casa durante duas semanas. Eu assisti à versão número quatro, com Adrianne Curry, vencedora do primeiro America’s Next Top Model, Christopher Knight do sitcom The Brady Bunch, Jane Wiedlin, guitarrista do grupo Go-Go’s, a rapper Da Brat, o supermodel Marcus Schenkenberg, a wrestling star Chyna Doll e Verne Troyer, o Mini-Me dos filmes do Austin Powers. Sério, nada fazia sentido ou tinha pé nem cabeça, mas eu consegui assistir….
Em Strange Love a bizarrice chega ao ponto de ficar difícil de olhar. Dá até um desespero. É pior que os beijos nojentinhos do Woody Allen. O show acompanha o romance da robótica ex-Sylvester Stallone e ex-lésbica Brigitte Nielsen e o rapper do Public Enemy com dentes de prata Flavor Flav. É de lascar…. Quem consegue assistir aquilo? Eu até que tentei, mas não deu.
Outra reality series que eu vi dois capítulos e deu até depressão foi Chasing Farrah, onde câmeras seguem uma envelhecida e infantilóide Farrah Fawcett, que passa a maioria do tempo fazendo caras e poses. Numa longa cena com o ex Ryan O’Neal, ela parece uma monga totalmente dominada por ele, que pra completar parece estar constantemente bêbado.
Arfg, eca, blearg, eu mereço chicotadas por dar ibope para esses lixos!
na janelinha
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É uma viagem longa, que já dura anos. Eu viajo na janelinha e vou observando as paisagens passarem corridas. Alguns cenários permanecem por um tempo, chegam até a cansar – uma planície imensa, um rio que acompanha a estrada, uma cidade cheia de casas no horizonte. Uns quilómetros mais a frente tudo muda, outros estilos de casas, outros panoramas, outros rios, montanhas, árvores.
No mundo dos blogs a dinâmica é bem parecida, com as paisagens mudando constantemente. Gente nova aparecendo, gente ficando famosa, gente causando buxixo, gente legal, gente chata [e põe chata aí!], gente bacana, espíritos de porco, engraçados, poéticos, informativos, designs de templates coloridos, simples, sofisticados, fáceis de navegar ou querendo ser diferente. Papo aranha, papo cabeça, papo umbigo, cópias ou originais, simpátios, arrogantes, interessantes, cheios de ar. Um dia a paisagem na janela mostra um blog sendo linkado e citado exaustivamente, um pouco mais pra frente a paisagem já muda, o blog simplesmente desaparece de vista. Um saiu na reportagem do jornal e ganhou fãns e críticos, aquele outro não foi citado na coluna social, o outro morreu ou foi matado, dali a pouco renasceu com outro nome. O blog do jornalista famoso, do músico famoso, do diretor de teatro famoso, da modelo-atriz famosa e as moscas de blog. Os estrangeiros, os poetas, os críticos literários, os matemáticos, as donas-de-casa, os trabalhadores da web, os jornalistas, os engenheiros, os fotógrafos. Tem pra todos. Há blogs e há blogs. Daqui a pouco morrerão muitos, surgirão muitos outros e eu pretendo continuar nesta interessante viagem participando e observando com curiosidade e atençao, e fotografando quando der, desta janelinha privilegiada.
dot dot dot
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Olho com desconfiança pra qualquer receita que peça dois tabletes de manteiga. Não tenho nenhuma tolerância com palhaçadas. Nem com patetadas, pasteladas e marmeladas. Descobri que os lugares mais famosos são os mais mal frequentados. Um gato insistente tem o poder e a força. Nunca pense que aquilo que você limpou vai continuar limpo por mais de vinte e quatro horas. Uma implicância é um bolor verde e fedorento que cresce e se espalha. Um dos sintomas do narcisismo é achar que todo mundo tem inveja de você. Escrutinação é uma palavra horrorenda. A fala do sujeito cretino é sempre esculachada. Mudança de estação: minha casa parece uma floricultura. Tensão é pregar um prego na parede. O número da camisa estava errado. Não conte comigo. Disse que não escreveu nos últimos cinco anos pois seu computador estava com um vírus. Dou risada de mim mesma. E derrubo vinho na roupa. Não estou sumida, só ando ocupada.