uma semana em dois dias

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Nas primeiras horas a sensação é de estar voltando para um lugar do passado, nebulado por vagas lembranças. Infelizmente essa impressão se dissipa rapidinho. E retornamos para aquele ponto exato onde estávamos quando nos afastamos. Bem-vinda à rotina.
Sexta, sábado e domingo virtual, vai tudo parando, parando, diminuindo. A terça e a quarta virtual são os dias mais agitados!
Me sinto como um espelho onde as pessoas se vêem refletidas. Me descobri de repente assim: me influencio fortemente pela maneira como sou tratada. É uma mímica um tanto ridícula, mas é inevitável. Gosto desse toma-lá-dá-cá sincronizado, porque as relações desiguais não merecem mais um pingo da minha atenção e cortesia.
Fico toda feliz com a movimentação no campus por causa do Whole Earth Festival. Mais feliz eu vou ficar quando chegar em casa no final do dia e encontrar tudo limpinho e cheirosinho!
Ontem um monte de idéias e assuntos passando pela cabeça, prontos pra virar um texto mega-forte. Hoje, nada. Pra que então andar com aquele bloquinho de capa de couro fino dentro da bolsa, menha felhá?

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após a foto, a queda

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Chegamos em San Francisco e fomos ao Ferry Building Marketplace no antigo porto da cidade, para tentar almoçar. Atravessando a avenidona para entrar no mercado, tirei uma foto do ônibus enquando andava, distraída desligando e fechando a câmera tropecei no meio fio e caí como uma manga podre, espatifada na ilha entre as ruas, na faixa de pedestres. Foi uma queda monumental, pois meu corpo voou e caiu numa posição tão esdrúxula, que eu consegui me machucar dos dois lados. A câmera foi atirada à uns cem metros e eu fiquei deitada lá no chão da avenida mais movimentada de San Francisco, com uma multidão à minha volta, minha irmã toda nervosa e todo mundo com celulares engatilhados pra ligar pro 911. Foi uma experiência bizarra, pois cair tira você do seu eixo e eu me senti vagando numa espécie de limbo por alguns minutos. Não conseguia me mexer, nem levantar, não sabia exatamente o que tinha acontecido comigo. Minha irmã disse que eu falei que não estava me sentindo bem, mas eu não me lembro disso. Fiquei lá esburrachada e prostrada, até eles me ajudarem a levantar e ver o estrago—joelhos e cotovelos estrupiados, roxão na cintura e algum dano nas costelas, que doem até quando eu rio ou respiro um pouco mais fundo. Caí, como nunca imaginei que uma pessoa pudesse cair, num mergulho no concreto, no meio da muvuca, em grande estilo.

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a casa da tia

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Durante a minha infância, o melhor passeio que existia era visitar a casa das minhas tias. Cada qual com seu jeito diferente, todas me encantavam com suas casas e seus estilos de vida diferentes. Numa delas era o lugar da farra, das brincadeiras impensáveis de se fazer na minha casa, na liberdade total, na comida caseira, nos bolinhos da tarde. Na outra era a sofisticação e fartura intelectual, livros, discos, quadros nas paredes, arte espalhada pela casa, mil histórias sendo contadas, discussões inteligentes, comida sofisticada. Noutra era o estilo, a modernidade, as dicas de estética e beleza, as piadas que me faziam chorar de rir. Cada uma das minhas tias tinham certas qualidades que me atraiam.
Agora ouço os meus irmãos dizerem que as minhas sobrinhas amam a minha casa e adoram vir me visitar. Minha sobrinha Paula quando alguém pergunta onde ela quer ir, escuta como resposta—na casa da tia Fê! Minha sobrinha Catarina está há uma semana aqui nos EUA, passeando por parques temáticos e perguntando o tempo todo—quando vamos chegar na casa da tia Fê? Eu me sinto tão feliz com isso, pois sei o quanto é mesmo gostoso ficar hospedada na casa da tia. Nem que seja pra ficar fazendo nada, só vendo tevê, lendo revista e ouvindo o convercê dos adultos.

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a place in the sun for Roux

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o gato filho de vidraceiro. o gato hippie que cheira flores. a quintessência felina.

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Heavy rain in California

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Abri uma das caixas onde já estavam guardadas as blusas de lã de inverno, porque decidi que não iria passar frio. Quase final de abril e ainda estamos no inverno—mas shiu, sem reclamação!
Fausto voltando para o hotel no ônibus, vestindo seu boné com formato de orelhas do Mickey com luzinhas acesas piscantes. Catarina olhando as princesas com a boca aberta e dizendo—olha mamåe, são as princesas do meu livro! Depois que minha irmã me contou isso, não consigo parar de sorrir.
Os russos comiam criancinhas. Os americanos compram armas no supermercado. Rãnrãn…
Hoje é um dia em que estou contando os minutos para as cinco da tarde. Tenho tanta coisa pra fazer, e como sempre não tenho nada programado nem organizado. Mas tudo bem, vai chover—chover muito, e se o aguaceiro não me atrapalhar já tá mais que bom.
Good bye.

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só espero que nunca seja

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Quando aconteceu Columbine, meu filho era um high school senior, e ficamos nos perguntando nervosamente—e se tivesse sido aqui? e se tivesse sido aqui?
Quando eu li sobre Virginia Tech, me deu um nervoso imenso, pois meu filho, minha nora, meu marido e eu, estamos dentro de uma universidade americana. É pra ficar pensando nervosamente—e se tivesse sido aqui? e se tivesse sido aqui?

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A inveja é uma Imelda

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Observar o comportamento da malta pode ser um exercício interessante e mesmo se não der pra tirar uma lasca de proveito, ao menos se aprende alguma lição qualquer de vida. Vejam o caso dos invejados e dos invejosos. A inveja é uma palavra usada de modo exagerado por bofudos e bofetes, e que nem sempre carrega toda a responsabilidade de tudo o que se atribuí à ela.
O exemplo mais patusco é o da figura que se acha objeto da inveja da humanidade. Estão sempre a invejá-la, não importa no que. E vive a repetir o quanto a invejam, o quanto a vão invejar, por isso ou por aquilo—oooh, vejam bem, tudo que eu tenho ou sou suscita a cobiça alheia. E também tudo o que lhe acontece de ruim ou desagradável é, certamente, resultado de todo esse “olho gordo” dessa gentinha invejosa e maldosa. Nada é culpa do indivíduo, mas sim do coletivo que o inveja. A única inveja que realmente esse pessoal inspira é provocada por essa incrível capacidade que eles têm de se darem uma extraordinária auto-importância e de conseguirem se inflar ao ponto de quase sair flutuando.
Já quem realmente inveja é outra história. Esses são seres sinistros, que muitas vezes usam o humor para encobrir o mais nefando dos sentimentos. Eles se denuciam através do escárnio, que pra mim é a manifestação mais óbvia do ressentimento e da inveja. Só que esses invejosos não invejam aqueles tais que se acham invejáveis. Eles invejam o mundo, a vida, a espontaneidade, a sinceridade e a alegria.

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Dear Prudence, open up your eyes

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Olhando ninguém vai conseguir perceber o meu imenso temor, enquanto pedalo minha bicicletinha dentro do campus desta universidade. Eu me sinto arriscando, como se a qualquer momento um acidente fosse acontecer, especialmente quando tenho a falta de sorte ou de timing de pegar o fluxo da manada—bicicletas, skates, patins, patinetes, caminhantes, todos zigzagueando enlouquecidos, sem um sistema ou sinalização básica. Pedestres se jogam na rua sem olhar pros lados, falando ao telefone ou simplesmente perdidos no espaço ouvindo música. Bicicletas e skates cortam a sua frente e nunca avisam que vão mudar de lado. Quando estou na bicicleta eu uso o mesma esquema que uso com o carro, sinalizando e checando pelos ombros se vem alguém atrás de mim. Mas ninguém faz isso, transformando um simples percurso num caos muito grande, daqueles de dar medo. Nos circulos, onde as bicicletas que já estão dentro têm preferência sobre as que estão entrando, é um ôba-óba total, com pedestres atravessando junto e entrando sem olhar. Me sinto pedalando por um povoado de cegos e surdos, o campus anárquico dos alienados sem noção.

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o passado não condena