I know we’ve come a long way, we’re changing day to day
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But tell me, where do the children play?
Minha tia Anah me disse uma vez, do alto dos seus quase oitenta anos, como somos incrívelmente ingênuos na nossa juventude, achando que nada nos atingirá, que nada de ruim vai nos acontecer, e que não vamos morrer, nem envelhecer. Ela me contou que tinha absoluta certeza – ah, imagina! eu não! nunca vou ficar velha! Mas ficou. Abriu-se uma ampla janela na minha consciência e comecei a perceber o que nunca tinha percebido e ando pensando em coisas que nunca tinha pensado antes. É mais ou menos como quando chegamos na puberdade e deixamos de ser crianças. Perdemos a carinha infantil, o corpo se transforma, os hormônios borbulham, o psiquê muda e é aquele dramalhão, rios de risadas e lágrimas descontroladas. Acho que temos uma outra fase bem semelhante na nossa maturidade, depois de anos com a mesma cara e corpo, coisas começam a mudar e começamos a ver nossos pais refletidos no espelho, os hormônios borbulham novamente, o psiquê muda e começa tudo de novo, só que desta vez com uma perspectiva bem diferente. Estou justamente aqui. No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho.
time is [not] on your side
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Eu usei muita mini-saia. Até nos invernões canadenses, com meia grossa, valha-me deus! Mas lá pelos trinta e oito eu cansei. Não foi bem cansei, mas saquei que não tinha mais nada a ver, não ficava mais legal, me dava um ar estranho, não combinava mais. Aposentei as sainhas, mas não aposentei as saias, que uso muito e adoro. Eu não sou um exemplo de nada, pois sempre fui muito pudica com meu corpo e eclética na minha maneira de vestir. Mas se tem uma coisa que eu juro que tenho é sitocomêtro. Posso até dar bafão por estar com uma aparência de palhaça, mas nunca vou cair na armadilha do pseudo-sexy-vulgo-baranga.
Domingo, num café em Calistoga, vi essa mulher com cara de ter no mínimo uns sessenta anos vestida como uma garotinha de dezesseis, com uma micro-saia cor-de-rosa de babados e sapatos brancos de salto altíssimo. As pernas finas, longas e brancas salpicadas de pequenas veias azuís. Ela estava acompanhada por um tipo vestido de calça de tergal e sapato cor de creme. Ele pelo menos não estava chamando a atenção. Cada um faz o que quer, se veste como quer, mas sempre com o mínimo de dignidade, que é imprescindível.
Eu tenho certeza que aquela cena da mulher de sessenta anos vestida com uma adolescente é o mais puro reflexo da pressão que sofremos todo-santo-dia, vivendo numa sociedade onde só o jovem, o sexy e o bonito tem lugar ao sol. As pessoas fazem coisas ridiculas para tentar congelar o tempo, que infelizmente é implacável e cruel. Só escapa da velhice quem morre jovem.
está cada vez pior
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Sonolenta, ouvindo Neil Young pelos fones de ouvido e chorando, de molhar os ombros. A assistente do dentista, vez e outra, enxugava as minhas lagrimas delicadamente com um lencinho de papel. Eu quero acreditar, preciso acreditar, que há outros assim como eu por aí, que não é uma coisa rara, nem inédita, nem errada, ser assim tão sensível.
Não tem nada errado
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Faz um lindo lindo de primavera, e estou com aquela sensação de que já é sexta-feira, porque amanhã não terei labuta. Em compensação terei uma visita bem chata ao dentista. Tudo bem, a viagem de primeira classe já foi providenciada!
Ontem liguei na Disneylândia para resolver um negocinho pra minha irmã. Passei a tarde inteira rindo de boba que sou — eu liguei na Disneylândia, liguei na Disneylândia, imagina só, não é bizarro, eu falei com alguém na Disneylândia, será que foi com a Minnie?
Quando a situação se revela absurdamente surreal, cheia de detalhes de pouco caso dissimulado, e onde a personagem principal exala sonsice por todos os poros, a melhor solução é se fingir de morta e deixar pensarem que você é tão sonsa qual. A sonsa número dois, pois sim, já que o trono já tem dono.
most of the time I’m halfway content
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Estou cansada dos esquilos neste campus, de como eles me assustam pulando nos arbustos e árvores, e de como passam rapidamente, naqueles pulinhos galopantes, na minha frente quando estou pedalando.
O visual da moçada está se transformando com a mudança de estação. Nas minhas caminhadas para esticar as pernocas, atento para a horda de estudantes. Muitos não têm noção de estação – cachecol e chinelo – São razoavelmente massificados e sem senso de estilo.
Divido os grupos de pessoas em três categorias, dispostos desigualmente: os que estão com um IPod na orelha, os que estão falando no celular e os que estão sozinhos ou conversando com outro humano.
cena de filme, está lá?
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As manicures coreanas matraqueava – yada yada yada yada – enquanto faziam as mãos e pés de clientes. Riam, comentavam, riam, comentavam. Todos os que não entendiam coreano boiavam, incluindo eu. Claro que nesse momento fui imediatamente remetida à lembrança de uma cena de filme, que não consigo identificar qual, onde as manicures coreanas comentavam e riam da cliente, que as surpreendeu, retrucando na língua delas. Qual é o filme, meudeusdocéu?