não comprei uma bicicleta

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Há tantos anos na cidade das bicicletas e nunca tive uma. Minto, tive uma quando cheguei aqui, mas aquela não conta porque foi traumatizante. Ganhei uma bicicletinha cor-de-rosa, que pertencera à uma baixinha, bem baixinha. Como eu pedalava nela era uma humilhação, toda curvada, joelhos batendo no guidão. Me livrei dela assim que pude e nunca mais pedalei.
Pensei muitas vezes em comprar uma bicicleta mais adequada para a minha altura, mas nunca comprei. Pesquisei, olhei, até escolhi o modelo, que seria uma cruiser de guidão alto. Pra ficar corcunda, andar à pé já basta.
No final das contas acabei ganhando uma bicicleta. Ela pertenceu à um rapaz bem alto, muito alto e então já pressenti que não teria problemas com pernas e guidões, correntes engrenando na calça jeans e, principalmente, a corcunda.
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Ela é uma bicicleta cruiser, exatamente como eu queria. Com duas cestas laterais pra carregar bolsa, casaco, comprinhas. Só que ela é antiga, do tempo do breque de pé. Isso mesmo, breque de pé! Custei pra acostumar. No primeiro dia que segui cruzando com ela pelas ruas de downtown para encontrar as minhas amigas no Ciocolat, a três quadras da minha casa, fiz todas as barbeiragens possíveis. Depois de todos esses anos atuando como pedestre ou motorista de carro, quando me vi livre achei que podia pedalar pela calçada, atravessar a rua como quisesse, como se eu estivesse à pé. Peguei a bike lane na contramão, dei umas boas bambeadas e quase distendi um músculo da perna montando e desmontando da bike – ela é realmente alta ou eu que desaprendi a montar e desmontar de magrelas? Tenho ido trabalhar com ela, pedalando toda pimpona pelo campus da UC Davis. Agora me sinto parte da cidade, onde não ter bicicleta é considerado meio anormal.

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bandidagem capim gordura

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Quando eu contei pra minha amiga que é moradora de Davis há mais tempo que eu, que tinha rolado um assalto à um banco em downtown na manhã daquele dia, ela ficou de boca aberta. Parece que não acontecia um forrobodó dessa espécia há muitos anos nesta cidade pacata. Um crime, dos bem barra pesada, com bandido de capuz e metralhadora entrando correndo e berrando isto é um assalto, passa a grana, quem se mexer morre!
Deu tudo certo para os meliantes até a hora da fuga. A bandidagem amadora não sabia que tem que mandar tirar o dinheiro das sacolas do banco antes de fugir e botar tudo num saco de plástico. É procedimento de rotina, mas ninguém sabia – nem eu, nem muita gente, muito menos os assaltantes – que os funcionários acionam um dispositivo, que todas as sacolas de dinheiro têm, que solta uma tinta vermelha melequenta, marcando o dinheiro e sujando o bandido. E pra piorar, quando o dispositivo explode, uma fumacê vermelha cega quem estiver próximo.
As testemunhas que viram a cena se disseram perplexos com a visão do carro azul cheio de fumaça vermelha, uma gritaria e quatro meliantes fugindo logo em seguida em trote desembestado à pé pela cidade. O dinheiro foi abandonado no carro. O banco naõ teve prejú.
E os assaltantes? Passaram correndo em frente da minha casa, se embrenhando em seguida pelos matos do Arboretum e do riacho. A polícia até que tentou correr atrás, mas não pegou ninguém. Fizeram aquela cena típica, fecharam as ruas com fita amarela de crime scene, revistaram a vila onde eu moro, um auê total. Eu não vi nem ouvi nada, pois estava distraída me preparando para ir nadar…….

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pausa para os comerciais

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De quinze em quinze dias eu preparo uma salada. A de hoje é de grão-de-bico, com tomates, cebolas, azeitonas pretas, pimentão vermelho assado e ervas. Pão sourdough e um chardonnay gelado pra acompanhar.
Roux passou três dias pulando atrás de uma mosca que entrou desafortunadamente na casa no domingo. Hoje a coitada já não estava mais nem voando e eu dei um golpe de misericórdia com a sola do meu chinelão – plaft! Fim.
Eu ando completamente horrorizada com o que ando vendo e lendo por aí….
A higienista me deu parabéns, pois segundo ela eu tenho os dentes mais limpos do que a maioria. Não que isso signifique que eu não tenha mais que ir lá, muito pelo contrário. Um elogio, mas agora vamos marcar outra visita para daqui a três meses?
Livros lindos, lindos que ganhei da minha mãe e meu pai. São dois, Adoro! e Adoro o Brasil! Inspiração.
Estamos nadando numa piscina pública, enquanto a nossa passa por limpeza e manutenção. O lugar parece um clube de campo e os vestiários não têm teto, então os nadadores e nadadoras tomam banho e se trocam no sol. E eu trancada no dãbliucê, of course!
Contagem re-gres-si-va-a!

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respeito é muito bom e todo mundo gosta

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O chanceler da UC Davis se inspirou numa idéia da NPR – National Public Radio, para lançar um projeto bem interessante no dia da convocação para o inicio do ano letivo na universidade. O projeto é o My Personal Compass e foi baseado no This I Believe, um programa que coleta e divulga opiniões pessoais diversas.
No website do programa, pode-se ler qual o objetivo da emissora reeditando um programa similar da década de 50. Por que divulgar um apanhado de opiniões divergentes e diferentes? Pra que proporcionar aos ouvintes uma variedade de pensamentos e credos? A resposta chegou pra mim neste parágrafo.

“… their goal is not to persuade Americans to agree on the same beliefs. Rather, they hope to encourage people to begin the much more difficult task of developing respect for beliefs different from their own.”

Me pergunto como seria se os empunhadores da bandeira da verdade parassem um pouco de bradar razão e tentassem desenvolver um pouquinho de respeito pela opinião alheia. Escutar, ponderar, respeitar.

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No Direction Home

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Martin Scorsese é realmente um goodfella. Não só porque ele é um grande diretor de filmes inesquecíveis, mas também porque nos passa aquela idéia de que é um cara simples, um vizinho ajudando com palpites úteis, um tio carinhoso que dá abracos, um parente simpático que envia cartões de Natal, um amigo que ouve suas histórias com atenção. Acho que eu me sentiria à vontade na frente dele, falando com ele ou para a câmera dele. Penso que Bob Dylan também se sentiu à vontade, pois acho que nunca o vi em filme assim tão feliz, relaxado, falando sem restrições, sem aquela cara de esfinge que é a sua marca registrada.
No filme-documentário de Scorsese No Direction Home: Bob Dylan, que a rede pública PBS está mostrando em duas partes, Dylan se revela. Pra uma fãnática como eu, foram duas horas de puro prazer! O filme se concentra nos primeiros anos da carreira de Dylan, de 1961 à 1966, quando ele se eletrifica e é criticado e chamado de Judas pelos seus fãs.
As pessoas aqui me olham com uma cara de incredulidade quando eu, uma brasileira, revelo a minha paixão pelo Dylan. É realmente inexplicável o que aconteceu comigo desde a primeira vez que ouvi uma das músicas dele – que deve ter sido Lay Lady Lay, quando eu ainda era uma pré-adolescente. A música desse artista tem um poder sobre mim que ultrapassa as barreiras da língua e do entendimento. Eu fui fã do Dylan por anos, sem entender uma única palavra do que ele cantava. Eu sempre digo que o meu único interesse em aprender inglês – que nem vinha carregado de muita dedicação – era para entender o que o poeta cantava. Consegui finalmente, porque acabei acidentalmente virando uma estrangeira. Hoje posso dizer que não só a música, mas a poesia do Dylan fala diretamente para mim. Tudo o que ele canta faz sentido, toca um sino, me faz sorrir ou chorar, me carrega junto.
Exagero, não? Que nada. Ontem, assistindo à primeira parte de No Direction Home: Bob Dylan, tive uma epifania explicativa para essa minha história. Logo no inicio, contando como descobriu a vitrola com um disco de música country dentro, Dylan conta como o som daquela música fez ele se sentir uma outra pessoa, como se ele tivesse nascido em outro lugar. Acho que é exatamente isso que a música provoca: penetra nas profundezas do subconsciente e mostra quem você realmente é, o lugar ao qual você pertence e a sua missão neste mundo.
A música de Bob Dylan provocou esse efeito em mim quando eu ainda nem sabia quem eu realmente era e qual era o meu propósito nesta vida. Muitos anos depois eu ainda não me encontrei completamente, mas com certeza a música desse homem tem me inspirado à beça pelo caminho.

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uma boa razão

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Ela me perguntou por que eu escrevo e a resposta foi, pelo mesmo motivo que as pessoas comem, bebem, fumam, competem, se drogam….

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tomates provençal

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Preparei uma travessa deles ontem, com um montão de tomates madurinhos e fresquinhos que colhi na minha horta e eles fizeram o maior sucesso……
Corte os tomates no meio e retire as sementes. Deixe escorrer por uns minutos. Numa frigideira larga e rasa, coloque uma fina camada de azeite e os tomates virados para baixo. Refogue por uns minutos, retire os tomates e coloque numa assadeira. Misture farinha de pão com uma mistura triturada de salsinha, dentes de alho, sal grosso e ervas provençais. Recheie os tomates com essa farofa. Asse em forno alto por quinze minutos. Sirva quente ou frio, acompanhando carnes ou apenas com aperitivo. C’est très bon!

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o passado não condena