um dia na vida de…

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Lavou o cabelo com condicionador, tropeçou em todos os tapetes da casa, cortou a ponta do dedo invés do talo da rosa, espirrou água na cara quando molhava as plantas, deixou um cabide cair da arara de roupas de uma loja cinco vezes seguidas, escreveu uma palavra errada em público, cortou-se com uma folha de papel, levou duzentos choquezinhos na porta do carro, engasgou e a água que estava bebendo saiu pelo nariz, derrubou comida na roupa, fez duas bolhas no mesmo calcanhar, teve um ataque de coceira, achou um vômito do gato no meio da sala, chorou vendo um musical, esqueceu de pagar a conta, respondeu em português a um good morning, chegou muito cedo à um encontro, recebeu só junk mail no correio, dormiu antes de ver o final do filme.

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bug off!

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Mais uma vez vou precisar daquela ajudazinha alcóolica na minha luta contra as pragas da horta. Eu não vejo as ditas cujas, mas encontro sinais de que elas andam por todo canto. São tantas folhas comidas, um pé de alface simplesmente desapareceu. Está uma farra, pois até agora eu não fiz nada. Minha horta está um banquete para as lesmas, caramujos e outras pragas. Vou ter que afogá-las na cerveja, como fiz no ano passado….
Mas não é só na horta que eu vejo sinais das pragas. As roseiras também têm bichos e fungos. Eu espirro um jato de água forte com o esguicho, pois li que essa é a melhor maneira de se livrar deles [ou trazer joaninhas para o roseiral, pois elas comem esses aphids]. Já os fungos, não posso fazer nada além de cortar as folhas infectadas. Eu não quero jogar nenhum veneno, por causa do gato e porque não acho legal. Então vou tesourando tudo, esguichando água e em breve, farei as – arghghthughecablergh – sopas de caracol!

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the gourmet poseur

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Minha comida é frugal. Não tem nada de especial e não pode me tomar muito tempo, pois me condicionei a não fazer nada que leve mais de trinta minutos para ser preparado. Não vou dizer que minha comida não seja criativa – usando os legumes e verduras que eu compro da horta orgânica, ou mesmo saborosa – quando consigo não salgar muito, nem deixar queimar nada.
Mas quem vê a minha coleção de livros de cozinha com certeza pensa que eu sou aprendiz de chef ou uma sofisticada cozinheira, uma gourmet. Eu adoro livros de cozinha. Mas os coleciono muito mais por um prazer voyeur do que pelas suas qualidades práticas. Eu me inspiro nos livros, mas não cozinho baseada neles e raramente sigo uma receita ao pé da letra. Tenho uma tendência quase neurótica a mudar os ingredientes, as quantidades e depois ficar reclamando como uma ranzinza quando a receita vira uma gororoba incomível.
Pra não dizer que não uso receitas, até que andei fazendo algumas coisinhas da fantástica revista da senhora Martha Stewart, Everyday Food [que recomendo fortemente, apesar dos enroscos legais da sua criadora]. E quando me entusiasmo com um livro ou com um estilo de comida [como foi com a cozinha tailandesa], acabo seguindo algumas receitas. Mas tenho que fazer um esforço, também porque sempre falta um ingrediente ou esqueço de deixar a manteiga na temperatura ambiente ou de descongelar a carne, detalhes geralmente essenciais para o sucesso da empreitada.
Minhas aventuras na cozinha são mais divertidas do que saborosas. Como aquela inesquecível sobre a receita de chucrute com salsichas da minha mãe! Mesmo não sendo a cozinheira que gostaria de ser, continuo comprando livros, colecionando revistas e me deliciando com programas de culinária na tevê. Um dia, quem sabe, vou escrever o meu livro de receitas, que virão com certeza acompanhadas de muitas histórias.

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fonfon

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Não foi uma visão. Era eu mesma dirigindo aquele carro cinza.
Meu carro finalmente vai ser consertado, depois daquele acidente do estacionamento. Decidimos esperar por uma vaga num dos body shops da cidade marcada apenas para esta semana, baseados em excelente recomendação e elogios do serviço que esse lugar faz.
Enquanto isso o seguro nos deu um carro alugado. É tão estranho pegar um carro diferente assim de repente. Estou tão acostumada com o meu carrinho. E ficou tudo lá, os meus cds, canetas, água, até o remoto da porta da garagem. Fico toda atrapalhada com o relógio do carro alugado, que ainda está em horário regular e também fico toda confusa olhando no painel e procurando por coisas que estão em lugares diferentes. Hoje chegando em casa já fui tateando pelo remoto, que obviamente não estava lá. Até o cheiro do carro é estranho. E ele é mais baixo, mais duro, ainda não estou dirigindo confortavelmente nele.
Até eu me adaptar no carro cinza, meu carro beige já deve estar de volta. Portanto não se acostume com essas visões, pois minhas passeadas em cinza têm dias contados!

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Davis

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Eu vivo numa cidade onde os carros param para uma família de patos atravessar calmamente a rua.

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eu rio por último….

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Rir é a melhor maneira de expurgar idéias ou sentimentos negativos. Quem pensa que a comicidade das minhas histórias biográficas é depreciativa, está muito enganado.
Rir é terapêutico e nos ajuda a ver uma determinada situação sob uma nova perspectiva. A visão do ridículo é purificadora e mostra que até os mais absurdos defeitos podem ser divertidos.
É por isso que eu escrevo sobre as minhas patetadas com freqüência. Se elas me fizerem rir, todo o efeito negativo de sentir-se um peixe fora d’água, uma esquisita, uma atrapalhada, sempre metida numa gafe, se diluí.
Histórias não faltam. Tenho material para um livro. Dá pra não rir do episódio em que eu beijei a boca de uma mulher sem querer, enquanto tentava cumprimentá-la desengonçadamente numa festa? E quem não se identificou com a talentosa Splashy e suas estripulias aquáticas? Quantas vezes eu revi na minha memória, como se fosse um filme pastelão, a cena que protagonizei quando visitei uns amigos no Brasil: fui descruzar a perna e chutei uma bacia cheia de casca e sementes de mixiricas, que voou pelos ares e aterrissou do outro lado da sala, fazendo uma sujeirada tremenda no chão.
Depois que eu escrevo e dou muita risada, não me sinto mais tão esdrúxula, não acho que sou diferente, problemática, que estou sempre dando foras ou espetáculos grotescos, caindo das cadeiras, tropeçando, rolando pelas escadas, batendo com a cara no poste. Depois que eu choro de rir e gargalho alto, tenho certeza de que sou abençoada com essa capacidade de ser naturalmente espirituosa e de saber rir saudavelmente de mim mesma.

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splashy, the perfect clown

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Não basta nadar mal, em zigue-zague, estapeando e dando chutes no nadador da outra raia, batendo a cabeça na parede, engolindo e respirando água, se afogando quando alguém passa nadando em estilo borboleta ao lado.
Tem que também manter uma aparência cômica, com os goggles sempre inundados e embaçados e a touca preta sempre fora do lugar, quase saindo da cabeça.
Imagem é tudo. Portanto todo palhaço aquático que se preze tem cuidar para não parecer sério, nem profissional, nem dedicado. Tudo tem que estar fora do lugar – o maiô, o cabelo, a touca, os goggles, as pernadas, as braçadas. É uma questão de talento. Palhaço aquático já é palhaço no berço, no seco, na vida cotidiana.

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o que é bom na vida

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Escrever é uma coisa boa. É divertido, é desopilante, é uma maneira de fixar um acontecimento na memória. Eu gosto de escrever, mas é sempre melhor quando posso fazer do meu jeito, com o meu senso de humor que nem sempre é engraçado, com a minha tendência para inventar palavras, com o meu sotaque de estrangeira, com minhas irritações, minhas idiossincracias e espontaneidade.
Sair no quintal é uma coisa boa. Olhar as sementes germinarem, as plantas crescerem, as flores se multiplicarem. Eu abro a porta de vidro, que faz um barulho peculiar. Assim que eu fecho a porta atrás de mim, caminho pelo quintal com um sorriso maroto e contando os segundos… um, dois, três, quatro, cinco… Olho pra trás e lá está o gato com a cara no vidro. Ele ouviu o barulho da porta abrindo e quer me acompanhar. Esse é o melhor momento da minha saída ao quintal! É quando eu dou uma gargalhada e volto para abrir a porta, onde a estátua peluda me aguarda ansiosa pra sair também e ir comer graminha e cheirar as plantinhas. Enquanto ele aproveita isso tudo, eu colho rosas, arranco o mato e fiscalizo e inspeciono todos os cantinhos.
Esperar alguém chegar de viagem é uma coisa boa. Dá uma felicidade enorme quando o telefone toca e você ouve um ‘vem me buscar’ do outro lado da linha.
Comer queijo com marmelada em pé, na frente da geladeira é uma coisa boa.
Fazer planos é uma coisa boa.
Realizá-los é melhor ainda!

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ShakeZZzzpeare

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Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this sun of York;
And all the clouds that lour’d upon our house
In the deep bosom of the ocean buried.

Richard III de William Shakespeare, encenado pelo grupo novaiorquino The Acting Company, ontem no Mondavi Center. Uma oportunidade rara, já que eu nunca tinha assistido à esta peça de Shakespeare.
Que fiasco. Não conseguia manter os olhos abertos, minha mente voava, pensando nas coisas que eu tinha que resolver hoje e decidi ir embora no intervalo, depois de uma hora e quarenta lutando pra acompanhar a história e faltando mais sessenta minutos para o final da peça. Achei que era só eu, saindo de fininho, me sentindo terrivelmente entediada. Mas qual foi a minha surpresa quando vi, saindo também de fininho comigo, outros tantos voluntários. Alguns reclamando que alguns dos atores eram tão fracos que estavam deixando a peça monótona. Ufa, me senti aliviada, pois estava me achando uma brucutu ignoranta, deixando o teatro sem terminar de ver uma encenação de um clássico como este.

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o passado não condena