a cara [nova] do ano

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Um fato notável no meu comportamento cotidiano é que ando prestando muito mais atenção nas pessoas mais velhas do que eu. Deve ser algum sintoma do meu próprio envelhecimento. Jovenzinhos bonitinhos, vestidinhos com as roupetas da moda e eteceterá abundam na minha paisagem e não me causam quase nenhum interesse ou entusiasmo. Mas as pessoas mais velhas têm realmente me fascinado. Na minha passagem do ano novo em Monterey e Carmel, cruzei com algumas que ficaram marcadas na minha memória.
Na festa no hotel, um casalzinho bem velhinho dançava junto, swing style, no meio do salão. Os dois de cabelos bem branquinho, ele de camisa e suspensórios e ela de tailleur vermelho, pareciam saídos de um episódio dos Waltons. Fiquei absolutamente encantada pela visão daquele amor, os dois abraçadinhos, ela sorrindo, ele liderando a dança todo concentrado.
Logo depois, na mesma festa, avistei um outro casal. Esse talvez nem tão velho, mas nunca se sabe. Imagine um filme de festa de formatura de high school, com o rei e a rainha da festa eleitos em unanimidade por todos os outros alunos. O casal mais popular e bonito da escola. Pois esse casal na festa do hotel eram exatamente a prom queen e o prom king sessenta anos depois do baile de formatura. Ele altão e magro vestindo um chapéu inclinado para um lado, ela pequena e sorridente vestida de preto, cabelo cinza num corte impecável. Os rostos incrívelmente enrugados, nenhuma plástica, nenhum botox, somente a beleza natural que insistia em se manter presente, apesar da passagem do tempo.
E antes disso, no banheiro do restaurante em Carmel, uma senhorazinha puxou papo comigo enquanto lavávamos as mãos. Eu garanto, que nunca, jamais, em hipótese alguma, tomo a iniciativa de falar com estranhos. O muito que faço é sorrir, desejar bom dia, ou comentar que algo é bacana ou bonito—que em inglês não exige o uso de mais do que duas palavras, how cute, how nice e tals. Mas sou uma eterna vitima dos puxadores de conversa em filas, salas de espera, transportes e banheiros públicos. E neste dia a conversa prosperou. Primeiro ela comentou que a mão dela estava ressecada, tudo culpa do frio. Daí comentou o jantar, que ela tinha comido o carneiro, que estava delicioso, que as cenouras estavam perfeitas, que as batatas estavam deliciosas, e eu esclareci que as batatas estavam intercaladas por fatias de pera, pois meu marido também tinha escolhido o prato de carneiro e tínhamos confabulado sobre o detalhe adocicado das batatas. Dalí a conversa progrediu para detalhes familiares e ela contou que a filha tinha se casado há exatamente dezoito anos ali mesmo naquele clube de golfe e que ela mesma já iria completar cinquenta e dois anos de casada no dia seis de janeiro, o que me deixou à vontade para comentar que eu também fazia aniversário de casamento em janeiro—vinte e nove anos no dia dois! Não sei quantos minutos fiquei conversando com aquela senhorinha tão fofinha dentro do banheiro, mas me pareceu um tempo enorme, como se fossemos duas velhas amigas sentadas no sofá, atualizando uma à outra sobre as pequenas novidades das nossas vidas. Poderia ter ficado ali com ela por um tempo mais longo, mas estávamos num banheiro e realmente não nos conhecíamos, então me despedi desejando um happy new year and all the best e ela retribuiu—have a great year!

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a holly and jolly christmas

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No décimo Natal deste blog—dez anos que nem foram comemorados, quero deixar aqui um imenso desejo de felicidade e muitas realizações. Perseverança é uma qualidade mútua, minha e de todos que ainda passam por aqui.

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quem viver, verá

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Passei muitos anos rindo zombeteiramente do desfile de adornos cafonérrimos que as festividades geravam no vestuário da mulherada por essas bandas do norte. Pra mim, a visão de alguém usando brincos em formato de pacotinhos de presente com laçarotes e um broche de árvore de Natal combinando, era um sinal claro para eu me afastar correndo. Nunca me imaginei amiga de uma criatura ostentando brincos em formato de abóbora ou um broche de boneco de neve. Mas os anos passam, a idade mais avançada aplaca nossas agitações e revoltas, traz uma maior capacidade de ponderação e de compreensão. Ou seria o caso de estar apenas se dobrando aos critérios do ordinário e se juntando ao grupo preponderante?
Pois eu me vi na festa de Natal do meu trabalho—evento que eu costumava detestar, não só me divertindo, repetindo meu prato de antepastos três vezes, fotografando a árvore decorada com ornamentos artesanais, babando de tanto rir das brincadeiras da troca de elefantes brancos, adorando o presente que escolhi e rezando para que ninguém roubasse ele de mim, mas também toda pimpona, ostentando na lapela do meu casaquinho de veludo um BROCHE em formato de um FLOCO DE NEVE!
O que mais posso dizer? Jingle-them-bells!

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disk friendship

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Assim que coloquei os olhos nessa foto, saquei o que o Gabriel estava fazendo pendurado [e enroscado] nesse telefone flip-flop com um fio imenso. Eram tempos pré internet e as pessoas entediadas buscavam diversão das mais variadas maneiras. Uma delas era, para nós, ficar de papo furado no disque amizade—um troço que hoje deve ser totalmente dinossaurico e obsoleto. Imagina, todo mundo numa linha batendo papo ao mesmo tempo. Não sei se as pessoas realmente faziam e estreitavam amizades, porque para nós aquilo era apenas diversão. Eu, a minha irmã e o Gabriel entravamos na linha juntos, cada um numa extensão, só pra atrapalhar o convercê e confundir as pessoas. Era uma brincadeira, que obviamente o Gabriel adorava. Infantilice a minha, que devo ter liderado a parada e participava com gosto, rindo de chorar e de quase se mijar. Minha irmã deve ter entrado de gaiata, mas o Gabriel só seguiu o exemplo da mãe. E que mau exemplo, hein?

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it’s been a long, long time

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Meu pai perguntou se eu ainda escrevia aqui. Ele era meu leitor, antes de perder parte da visão. Eu respondi que, errr, ahn, às vezes, sim, escrevo qualquer coisa. Não é sempre que tenho histórias, muito menos inspiração. E dizem que o Twitter está matando os blogs. Só se for os blogs de abobrinhas, como este. Porque outros estão firmes e fortes. Mas tudo são fases, eu acredito. Gostaria mesmo era de me sentir à vontade aqui para poder voltar a escrever sobre o meu dia-a-dia, como eu fazia no passado com a tranquilidade de saber que, de conhecidos, só a minha vizinha xereta me lia. Mas é isso—todos os dias [ou quase] eu tiro fotos e escrevo frases, pensamentos, idéias, chuto umas latas, divulgo uns links, até troco um plá com pessoas espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Porque não mais aqui? Isso eu não sei. Provavelmente são só fases. São sim.

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Elisabeth Scissorhands

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Minha busca pelo profissional perfeito, que corte o meu cabelo do jeito que eu gosto e não me deixe com cara de mulher da cabeça de piaçava é o meu Santo Graal particular. Já investi muito dinheiro, médio dinheiro, pouco dinheiro e NUNCA consegui me satisfazer totalmente. Ao contrário—na imensa maioria das vezes meu corte de cabelo foi causa de grandes tristezas e frustrações, até cenas de tragédia daquelas de ir chorar dentro do chuveiro que é lugar quente.
É tanto que nem me esforço mais em encontrar aquele estilista de cabelo especial. Faz um tempo que decidi escolher um salão, chego lá de sopetão e no dia que me dá na telha, sem hora marcada e pergunto se rolaria um corte. Sempre rola. Nesse salão eu gasto uma grana média e toda vez que vou lá é uma pomba diferente que me atende. Como sempre eu oriento—olha, só quero aparar, tirar pontas e fazer umas camadas leves só pra dar uma moldura pro rosto. Geralmente saio de lá conformada.
Desta última vez, segui os mesmos procedimentos: cheguei sem hora marcada, uma moça me redirecionou pra cadeira dela, expliquei o que queria. Elisabeth, se apresentou. Quando soltei o cabelo ela já soltou um imenso OH, porque minha cabeleira é densa, é volumosa, e é o sonho de qualquer profissional da tesoura.
E de tesoura em mão, começou ela—ah, seu cabelo é muito lindo! plickplickplick—nossa, seu cabelo é muito saudável! saudável mesmo! plickplickplick—e você tem umas ondas naturais lindas! plickplickplick—tem muita gente que quer ter cabelo como o seu, mas nem pagando mil dinheiros. tem que nascer assim!
plickplickplickplickplickplickplick! plickplickplickplickplickplickplick!
Você já tremeu de pavor enquanto alguém picotava enlouquecidamente o seu cabelo—lindo e saudável, com uma tesoura? Temi muito pelo resultado, fiquei muito assustada com a possibilidade de ter que passar semanas com a cabeça enrolada num lenço ou turbante, ou vestindo chapéu pra trabalhar. Não deu outra, quando cheguei em casa e me olhei no espelho que vi o estrago que o entusiasmo da moça pelo meu maravilhoso cabelo fez.
Desde então tenho tido duas opções de penteado—peruca kanekalon do tutankamon ou topete da cacatua do Baretta. Quanto tempo um cabelo saudável demora pra crescer?

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sobre a vida dos outros

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tracy-hepburnNunca tinha reparado, nem nele, nem nela, até o dia em que vi os dois conversando na entrada da piscina, ela enrolada na toalha, segurando um saco com acessórios de natação. Nunca teria reparado nos dois ali conversando, se ela não estivesse chorando. Nadei de costas com o olhar fixo na cena do moço e da moça conversando e ela chorando. Muitas histórias passaram pela minha cabeça enquanto eu nadava e olhava, ele ouvia e ela falava e chorava. Pensei primeiro que talvez alguém estivesse doente na família dela. Depois pensei que eles poderiam ser um casal se separando. Fiquei com muita pena dela—chorando em público, e me identifiquei, pois faço a mesma coisa. E achei simpático a maneira como ele escutava, meio que dando apoio.

A partir desse dia comecei a reparar nesse casal, que não sei quem são, nem se são mesmo um casal, nem o que fazem, ou que apito tocam. Eles chegam juntos pra nadar, ela enrolada na toalha. Às vezes ele vem sozinho. Outras vezes ela vem sozinha. E agora eu olho, sempre de rabo de olho. Ela é petit, magrinha, cabelo comprido, bem bonitinha, com uma vozinha. Ele é altão, bem aprumado, simpático, sorriso bonito, cabelo grisalho apesar de aparentar ser bem jovem. Eles chegam juntos, nadam juntos, saem juntos e apesar de eu ficar sempre de olho, nunca mais vi ela chorando.

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overwhelmed

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Idéias não me faltam. Leio zilhões de revistas, livros e websites, marco um zilhão e trezentas receitas que quero preparar, mas não consigo colocar nada em prática. Meu cotidiano é uma sequência de atividades básicas, recheado de comida simples, repetecos de coisas que sempre dão certo, usando os ingredientes protagonistas do verão. Me sinto presa dentro de um eterno deja vú.
Começo o dia com o tanque cheio de energia, não sinto desânimo algum, tenho estado ocupada com alguns projetos no trabalho, tenho gás suficiente pra pedalar minha bicicleta pra lá e pra cá e fazer mil coisas durante a minha horazinha de almoço, tentando surfar com elegância as [poucas] ondas de calor que tivemos este ano. Mas vou dizer que depois que faço o jantarzinho, no soar das sete badaladas, já vou sendo abraçada por uma exaustão que me tira não só a energia, mas também o bom humor. Deito cedo, durmo cedo, o máximo que tenho conseguido fazer no final do dia é passar os olhos pelas revistas e assistir um pouco de algum filme na tevê.
Ando me sentindo overwhelmed pela quantidade de coisas que quero fazer e não consigo. A falta de tempo me causa uma grande frustração.
Alguém me disse—é apenas o calor! Também já me falaram—ah, mas você faz coisas demais! Ou—deve ser os hormônios. Será que ando sentindo esse imenso cansaço porque desgosto imensamente das mesmices e muitas vezes me percebo ficando óbvia, fazendo sempre as mesmas coisas, batendo na mesma tecla? Por que não consigo otimizar o tempo que tenho disponível e fazer mais coisas legais, isso eu já não sei responder.

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o passado não condena