após a foto, a queda

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Chegamos em San Francisco e fomos ao Ferry Building Marketplace no antigo porto da cidade, para tentar almoçar. Atravessando a avenidona para entrar no mercado, tirei uma foto do ônibus enquando andava, distraída desligando e fechando a câmera tropecei no meio fio e caí como uma manga podre, espatifada na ilha entre as ruas, na faixa de pedestres. Foi uma queda monumental, pois meu corpo voou e caiu numa posição tão esdrúxula, que eu consegui me machucar dos dois lados. A câmera foi atirada à uns cem metros e eu fiquei deitada lá no chão da avenida mais movimentada de San Francisco, com uma multidão à minha volta, minha irmã toda nervosa e todo mundo com celulares engatilhados pra ligar pro 911. Foi uma experiência bizarra, pois cair tira você do seu eixo e eu me senti vagando numa espécie de limbo por alguns minutos. Não conseguia me mexer, nem levantar, não sabia exatamente o que tinha acontecido comigo. Minha irmã disse que eu falei que não estava me sentindo bem, mas eu não me lembro disso. Fiquei lá esburrachada e prostrada, até eles me ajudarem a levantar e ver o estrago—joelhos e cotovelos estrupiados, roxão na cintura e algum dano nas costelas, que doem até quando eu rio ou respiro um pouco mais fundo. Caí, como nunca imaginei que uma pessoa pudesse cair, num mergulho no concreto, no meio da muvuca, em grande estilo.

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a casa da tia

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Durante a minha infância, o melhor passeio que existia era visitar a casa das minhas tias. Cada qual com seu jeito diferente, todas me encantavam com suas casas e seus estilos de vida diferentes. Numa delas era o lugar da farra, das brincadeiras impensáveis de se fazer na minha casa, na liberdade total, na comida caseira, nos bolinhos da tarde. Na outra era a sofisticação e fartura intelectual, livros, discos, quadros nas paredes, arte espalhada pela casa, mil histórias sendo contadas, discussões inteligentes, comida sofisticada. Noutra era o estilo, a modernidade, as dicas de estética e beleza, as piadas que me faziam chorar de rir. Cada uma das minhas tias tinham certas qualidades que me atraiam.
Agora ouço os meus irmãos dizerem que as minhas sobrinhas amam a minha casa e adoram vir me visitar. Minha sobrinha Paula quando alguém pergunta onde ela quer ir, escuta como resposta—na casa da tia Fê! Minha sobrinha Catarina está há uma semana aqui nos EUA, passeando por parques temáticos e perguntando o tempo todo—quando vamos chegar na casa da tia Fê? Eu me sinto tão feliz com isso, pois sei o quanto é mesmo gostoso ficar hospedada na casa da tia. Nem que seja pra ficar fazendo nada, só vendo tevê, lendo revista e ouvindo o convercê dos adultos.

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a place in the sun for Roux

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o gato filho de vidraceiro. o gato hippie que cheira flores. a quintessência felina.

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Heavy rain in California

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Abri uma das caixas onde já estavam guardadas as blusas de lã de inverno, porque decidi que não iria passar frio. Quase final de abril e ainda estamos no inverno—mas shiu, sem reclamação!
Fausto voltando para o hotel no ônibus, vestindo seu boné com formato de orelhas do Mickey com luzinhas acesas piscantes. Catarina olhando as princesas com a boca aberta e dizendo—olha mamåe, são as princesas do meu livro! Depois que minha irmã me contou isso, não consigo parar de sorrir.
Os russos comiam criancinhas. Os americanos compram armas no supermercado. Rãnrãn…
Hoje é um dia em que estou contando os minutos para as cinco da tarde. Tenho tanta coisa pra fazer, e como sempre não tenho nada programado nem organizado. Mas tudo bem, vai chover—chover muito, e se o aguaceiro não me atrapalhar já tá mais que bom.
Good bye.

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só espero que nunca seja

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Quando aconteceu Columbine, meu filho era um high school senior, e ficamos nos perguntando nervosamente—e se tivesse sido aqui? e se tivesse sido aqui?
Quando eu li sobre Virginia Tech, me deu um nervoso imenso, pois meu filho, minha nora, meu marido e eu, estamos dentro de uma universidade americana. É pra ficar pensando nervosamente—e se tivesse sido aqui? e se tivesse sido aqui?

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A inveja é uma Imelda

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Observar o comportamento da malta pode ser um exercício interessante e mesmo se não der pra tirar uma lasca de proveito, ao menos se aprende alguma lição qualquer de vida. Vejam o caso dos invejados e dos invejosos. A inveja é uma palavra usada de modo exagerado por bofudos e bofetes, e que nem sempre carrega toda a responsabilidade de tudo o que se atribuí à ela.
O exemplo mais patusco é o da figura que se acha objeto da inveja da humanidade. Estão sempre a invejá-la, não importa no que. E vive a repetir o quanto a invejam, o quanto a vão invejar, por isso ou por aquilo—oooh, vejam bem, tudo que eu tenho ou sou suscita a cobiça alheia. E também tudo o que lhe acontece de ruim ou desagradável é, certamente, resultado de todo esse “olho gordo” dessa gentinha invejosa e maldosa. Nada é culpa do indivíduo, mas sim do coletivo que o inveja. A única inveja que realmente esse pessoal inspira é provocada por essa incrível capacidade que eles têm de se darem uma extraordinária auto-importância e de conseguirem se inflar ao ponto de quase sair flutuando.
Já quem realmente inveja é outra história. Esses são seres sinistros, que muitas vezes usam o humor para encobrir o mais nefando dos sentimentos. Eles se denuciam através do escárnio, que pra mim é a manifestação mais óbvia do ressentimento e da inveja. Só que esses invejosos não invejam aqueles tais que se acham invejáveis. Eles invejam o mundo, a vida, a espontaneidade, a sinceridade e a alegria.

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Dear Prudence, open up your eyes

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Olhando ninguém vai conseguir perceber o meu imenso temor, enquanto pedalo minha bicicletinha dentro do campus desta universidade. Eu me sinto arriscando, como se a qualquer momento um acidente fosse acontecer, especialmente quando tenho a falta de sorte ou de timing de pegar o fluxo da manada—bicicletas, skates, patins, patinetes, caminhantes, todos zigzagueando enlouquecidos, sem um sistema ou sinalização básica. Pedestres se jogam na rua sem olhar pros lados, falando ao telefone ou simplesmente perdidos no espaço ouvindo música. Bicicletas e skates cortam a sua frente e nunca avisam que vão mudar de lado. Quando estou na bicicleta eu uso o mesma esquema que uso com o carro, sinalizando e checando pelos ombros se vem alguém atrás de mim. Mas ninguém faz isso, transformando um simples percurso num caos muito grande, daqueles de dar medo. Nos circulos, onde as bicicletas que já estão dentro têm preferência sobre as que estão entrando, é um ôba-óba total, com pedestres atravessando junto e entrando sem olhar. Me sinto pedalando por um povoado de cegos e surdos, o campus anárquico dos alienados sem noção.

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A straight line exists between me and the good things

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Neste momento chove canivetes. Será essa chuva e esse friozinho úmido a última bufada do inverno na nossa cara? Nessa época maravilhosa do ano, quando flores brotam abundantemente, animais também parecem estar no processo de multiplicação. Numa caminhada pelo arboretum, vejo tantos patinhos acompanhados de suas irritadas e protetoras mãe patas. Eles são bonitinhos. Também avisto dezenas de lebrezinhas, filhotinhos de jack rabbit. Sei que eles são uma praguinha, mas jesuizcristo, como são fofinhos! Dá vontade de correr atrás, num impulso nada recomendável. Ontem vi um esquilo perseguindo o outro – pensei logo no Misty e Roux. Só que no caso dos esquilos, o perseguido tinha um acorn na boca. Quem tem a posse do acorn que se cuide!
Eu vivo na bolha bucólica, cheia de flores, patinhos, coelhinhos e esquilinhos. O que posso saber da vida?

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a fashionable bad day

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Pois então. Cheguei atrasada no trabalho, de tanto que troquei de roupa antes de sair de casa. E mesmo assim não estou contente com o que estou vestindo—na verdade estou descontentíssima. Ainda tenho a chance de tentar consertar o estrago na hora do almoço, mas me sinto realmente uma fútil trocando de roupa no meio do dia, só por que encasquetei. Porque realmente não faz diferença alguma. Se eu estiver vestindo um saco de batata, sapato de sola de pneu de trator e chapéu de palha de dois mirréis, ainda vou ser a mais elegante e moderna da parada, pois a maioria do pessoal que trabalha comigo não compra uma peça de roupa nova desde a década de oitenta. Ou compra na loja de usados, vintage da década de oitenta. Ou simplesmente herdou tudo de um primo/prima que morreu na década de oitenta. Mas eu, perfeccionista e vaidosa, não estou contente com o meu visual de hoje, que pra completar incluí uma cabeleira que resolver armar—eu disse ARMAR, tão ligados? Cabelo armado é razão suficiente para “call in sick” e se esconder, até a kanekalon resolver finalmente baixar.

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o passado não condena