bem no meio do segundo ano

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Em julho do ano passado entramos na segunda fase da pandemia, quando nos tocamos que estávamos nessa jornada para uma viagem bem longa. Em julho deste ano, o segundo ano da pandemia, tivemos uma brisa soprando em nosso favor. Depois de termos tomados a primeira [março] e a segunda [abril] dose da vacina. E removeram as restrições, começamos a fazer coisas, ir timidamente à restaurantes, fazendo uns passeios e pra quem quisesse [não nós!] ficar sem máscara em lugar fechado. Pra mim foi bem estranho, no primeiro dia no Farmers Market vendo metade das pessoas fazendo compras e vendendo, todos sem máscara! Levei duas semanas pra conseguir remover a minha, deixar os fazendeiros verem a minha cara. Também foi estranho remover a máscara no Food Bank, onde trabalho como voluntária desde fevereiro. Eu nunca tinha visto o rosto de ninguém. Lógico que achei bom remover a máscara em alguns lugares, mas as pessoas pararam tudo e dava até a impressão de que a pandemia tinha acabado. Nem foi por falta de aviso, mas acho que quem não viu as restrições voltando estava bem equivocado. E elas voltaram. Agora, todo mundo de máscara novamente até não sei quando. E temos que aceitar, porque a culpa é nossa mesmo–– digo, da humanidade, que não aprendeu nada, não evoluiu nada, muito pelo contrario. Tem muita gente que simplesmente se revelou ser uma bosta de ser humano, egoísta, preconceituoso, ignorante, rancoroso.

Nessa pandemia comecei a fazer uma coisa que quase não fazia antes: tirar e postar selfies. Fiquei pensando do por que eu estar fazendo isso, uma coisa que antes me custaria muito estresse, achando que a foto estava feia, que eu estava horrível. Bom, primeiro que acho que larguei mão, não estou mais tão preocupada. E segundo que eu acho que eu quis marcar presença, estar visível, me mostrar viva e evoluindo. E estou envelhecendo, acho que quero me conectar nisso.

Sou uma mulher de quase 60 anos e estou cada vez mais sem paciência pra essa cultura de aparências, ostentações e superficialidade. Quero ouvir outras mulheres, a experiência delas com o envelhecimento. Tenho escutado depoimentos num canal do YT. As mulheres, a maioria mais velha, falam sobre a vida, o aprendizado, o envelhecimento e vão se despindo, ficam só com a roupa de baixo. Não é uma coisa de mau gosto, muito pelo contrário. E ver esses corpos lindos, de todas as idades, tamanhos e bagagens, dá um certo conforto, pois vemos que não somos as únicas percorrendo esse caminho e não estamos sozinhas.

Meu gato Tim, de 18 anos, foi ao veterinário ontem só pra fazer um check-up, porque ele grita tanto, eu queria me certificar que tudo está bem. E está. Saúde muito boa pra um gato da idade dele, porém está com um pouco de demência. Eu não sabia que isso era possível em animais.

Nas redes sociais hoje me sinto completamente irrelevante. Fazendo algo que ninguém se importa ou se interessa. Gosto de postar fotos, mas ainda não me sinto confortável pra colocar a cara em videos, falando duas línguas ainda, pra não deixar ninguém de fora. Será que parei no tempo? Ainda sou “blogueira”? A que escreve? Ninguém quer ler mais nada, hoje é tudo imagem com instruções visuais. Nada a ver com o que fizemos por aqui há vinte anos.

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vários anos num mês

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A big lie is a lie which is big enough that it tears the fabric of reality–– Yale historian Timothy Snyder

O ano começou com muita expectativa e preocupação. Junto da esperança que o mês de janeiro traria mudanças extremamente positivas, tinha a angustia de não saber o que iria acontecer.  E no final tivemos uma insurreição, que na verdade foi um ataque terrorista supremacista. Foram dias muito tensos, até 20 de janeiro. Esse primeiro mês, do segundo ano da pandemia, foi bem intenso. Desejo que as coisas melhorem exponencialmente daqui pra frente.

Sei que este ano será melhor, pois já sabemos mais sobre o vírus e formas de tratamento, estamos mais instruídos sobre como se comportar, já existe vacina, e vencemos uma batalha contra a ignorância rampante que estava obstruindo e limitando qualquer tentativa de mitigar os efeitos da pandemia. Mas não me iludo que vamos voltar à normalidade em breve. Estou consciente que tudo vai mudar drasticamente, mesmo quando, lentamente, começarmos a regressar às nossas velhas rotinas. O mundo não será o mesmo, mas não acho que isso é ruim.

O que eu realmente concluí neste primeiro ano de pandemia é que a humanidade está bem perdida, precisando de gurus que a guie, para o bem ou para o mal. O que vi, muitas vezes horrorizada, foi um desmascaramento intenso, com as pessoas revelando quem elas realmente são. Não acho que vai haver um aprendizado coletivo, que vai haver uma melhora nas relações humanas. Ainda temos um caminho longo pela frente.

Mas me sinto privilegiada de poder estar numa posição de escrever isso, de estar bem e com saúde, de ter aprendido a viver um dia de cada vez e a fazer planos modestos, e por ter acesso à instrumentos de comunicação, que bem empregados trazem enormes benefícios. Em 2020 li muito, nadei sistematicamente, aprendi muitas coisas novas, abracei ideias antigas e descobri uma leveza de ser que nunca tinha experienciado antes. E quero redobrar tudo isso em 2021.

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muitos dias seguintes

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Lotus sutra

No mud, no lotus. Thich Nhat Hanh

A realidade está difícil pra todo mundo, é tanta coisa acontecendo no mundo. Outro dia ouvi uma pessoa dizer—peguem caneta e papel e anotem tudo pois não podemos esquecer tudo isso pelo que estamos passando. Pandemia & tumulto politico, duas situações absurdamente complicadas que pode ser que as próximas gerações não acreditem que tudo isso que está acontecendo realmente aconteceu.

Nas nossas vidas pessoais também são tantas reviravoltas. Quantas pessoas desaparecendo, sendo engolidas numa estatística mórbida, virando apenas números. Quantos mergulharam na pobreza. Quandos no desespero. Quantas profissões desaparecerão, outras tantas seguirão um rumo diferente. Eu ainda não sei resumir num texto coeso as coisas em que estou pensando. Felizmente, aprendi depois de tantas doenças e mortes na minha família, a viver um dia de cada vez. É o que estou fazendo. É só o que podemos fazer.

Neste momento estou realmente exausta, não exatamente por causa da pandemia, mas por todo esse pandemônio político. Estou lendo um livro sobre o presidente Jimmy Carter—His Very Best: Jimmy Carter, a Life [Jonathan Alter] e outro dia chorei, pensando, por que não podemos simplesmente voltar àquela política suja de desde sempre? Agora estamos vivendo um tempo de bandidismo político. Não existe outra definição para o buraco negro que se abriu com a eleição de 2016. Também estou lendo o o novo livro do Barack Obama—A Promised Land, e não posso deixar de lamentar que a ascensão de um politico humanista como ele, trouxe como consequência os horrores pelos quais estamos passando hoje. A esperança de alguns germinou o ódio em outros. E ódio é uma coisa difícil de controlar e aniquilar.

Quando meu irmão morreu enviei um livro pra minha irmã, que também estava doente e se debatia com a dor da perda e o sofrimento da culpa, se questionando por que ela estava tendo a chance de sobrevivência que nosso irmão não teve. O livro era No Mud, No Lotus: The Art of Transforming Suffering escrito pelo monge vietnamita Thich Nhat Hanh. A analogia que ele usa para explicar como a vida brota do sofrimento e de como não existe vida sem ele, é perfeita. Essa é a grande questão que precisávamos entender, para podermos passar por todos os altos e baixos da vida, sem nos desesperar quando as coisas não estiverem perfeitas. Parece simples, mas não é fácil colocar isso em prática quando estamos no fundo do poço. Mas a verdade é que nada é permanente, tudo é cíclico, e a memória se esvai. O que temos hoje, será história amanhã.

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( ( r e l i e f ) )

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Quatro anos atrás eu estava desolada com toda razão. Sou uma democrata progressista e sabia que os próximos anos seriam um show de horror, mas acho que ninguém imaginou o fundo do poço em que chegaríamos. Quatro anos depois, a criatura medonha foi derrotada e [tchan rãn!] não aceita a derrota. Esses quatro anos me deram uma oportunidade de aprender muita coisa, sobre política e sobre os seres humanos. Se eu tivesse que destacar uma coisa boa disso tudo, seria a minha educação política. Porque sem conhecimento viramos essas pessoas que acreditam em mentiras e vivem numa realidade criada por monstros ambiciosos e oportunistas. Então tenho um pouco mais de conhecimento pra entender que a recusa em aceitar a derrota não é apenas uma característica de uma personalidade narcisista e sociopata, mas é parte de várias jogadas políticas muito sujas.

Tivemos dias de muito estresse coletivo, esperando os números serem somados. E a possibilidade de 2016 se repetir. Disso nunca vou me esquecer.

Tenho memórias diluídas das vitórias do Obama, da primeira, porque registrei muito superficialmente e na segunda porque estava sozinha em casa e apenas chorei muito de alívio quando foi anunciada a reeleição. E os oponentes dele na época, que pareciam tão assustadores, são hoje um herói morto e um pateta que acho que até quer fazer algo honroso e não consegue. Nada comparado com a corja que se tornou hoje o partido republicano.

Desta vez quero fazer um esforço maior de registrar na memória todo o sufoco, as mentiras, as manipulações, a tensão de não saber o que iria acontecer e no final, apesar do alívio, a grande decepção de não ter sido uma “lavada” e o choque de perceber que o trabalho de manipulação das massas está funcionando tão bem que gente demais votou para o bandido ter um segundo termo.

Eu sei que essa semente demoníaca foi plantada e ainda vai gerar muitos frutos podres, trazer muitos set backs e backlashes. Mas também sei, agora mais do que nunca, que organização, dedicação e trabalho em pró da democracia também frutifica e traz mudanças. Já podemos respirar um pouco, cientes de que os vilões não estão mais vencendo todas as batalhas com tanta facilidade.

Biden foi o segundo presidente que elegi na vida. O primeiro foi o Obama. Nunca elegi nenhum brasileiro.

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2000—2020

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vinte anos do <strong>The Chatterbox</strong>
vinte anos do The Chatterbox
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quarta fase

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Monkeys just pretend to be less intelligent than humans so they can avoid paying taxes and going on a job search.

Na reunião virtual uma colega vestida com uma camiseta com os dizeres—Alexa, reset 2020!

Fico querendo escrever coisas sobre esse período tão incomum que estamos vivendo, pra deixar registrado. Mas não tenho inspiração, nem vontade. Queria registrar que essa pandemia teve, pra mim, até agora, três fases. A primeira, do choque, presos em casa, meu marido e eu, nossas caminhadas, meu filho na cidade vizinha, o aniversário dele na frente da casa. A segunda fase com a volta do meu marido pro trabalho em Mountain View, a partida do meu filho pra Washington, minha volta à piscina, dias quentes, fazendo e assando muitos pães, acordando com o sol às 6am, muita energia, muitos projetos. E a terceira fase, com o começo dos incêndios, a fumaça, muitos dias sem poder nadar, pouco sol, o dia amanhecendo mais tarde, muito calor, parei de fazer os pães, fiz muitos fermentados, li bastante livros, me preocupei muito, com todos, com a politica. O gato está muito chato e velhinho. Estamos, será, saindo dessa fase, entrando na próxima, medo do futuro, outono chegando, folhas caídas pela cidade, uma saudade grande das coisas que não podemos fazer mais, muito amor pela minha familia, aqui e lá. Agora a tensão é imensa, pois não sabemos que futuro teremos, no país, no planeta. Mas seguimos todos em frente, pois tudo que começa termina, como tudo nessa vida.

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falamos sobre ele

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Um veleiro passa na brisa da manhã e parte rumo ao oceano.

Ele é a beleza, ele é a vida.

Olho até vê-lo desaparecer no horizonte.

Alguém diz ao meu lado: “ele partiu”! Partiu para onde?

Partiu para longe do meu olhar, é tudo! seu mastro continua alto. Seu casco ainda tem força para carregar sua carga humana.

O desaparecimento total das minhas vistas está em mim, não nele. E exatamente no momento onde alguém diz ao meu lado: “ele partiu”, existem outros que, vendo-o aportar no horizonte e ir na sua direção, exclamam com alegria: ‘Ele está chegando!’

Isso é a morte…Não existem mortos.

Existem seres vivos nas duas margens.

William Blake

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acontecimentos

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o passado não condena