Para Paulo e Iri

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Uma coisa chata de mudar de mala e cuia para outro país é ter que deixar parte das suas coisas em casa de pais, irmãos. Não dá pra carregar sua vida com você e muita coisa acaba ficando para trás. Aconteceu comigo e agora estou vendo isso acontecer com o meu irmão. Ontem, procurando uns livros de culinária num quartinho dos fundos da casa dos meus pais, achei um pacote de cartas que meu irmão e minha cunhada guardavam.
É uma situacão estranha, pois é como ter um pedaco da sua vida ali jogado, disponível, para quem por acaso tiver acesso ver. Eu não li todas as cartas do pacote, porque se fossem as minhas, eu não gostaria que os outros lessem. Vi que tinha cartas do Paulo pra Iri [quando ele morou em Londres pela primeira vez em 87], e das irmãs da Iri, de amigos e MUITAS cartas minhas.
Sentei e reli as minhas cartas para eles. Eram cartas escritas à mão, com canetas coloridas, em papéis coloridos, com adesivos decorando o envelope e a carta e com os meus assuntinhos do meu primeiro ano no Canadá e meu senso de humor peculiar. Relendo essas minhas cartas para o Paulo e Iri, datadas de 1992 e 1993, eu pude ver o quanto eu mudei! Como eu estou diferente, como minha vida está diferente e, mais importante, como eu me adaptei à minha condicão de estrangeira. Nessas cartas eu reclamava PACAS! Devia estar vivenciando o tal choque cultural e ainda era imatura [vide os adesivinhos – how embarrassing!] para entender que nem tudo é um preto no branco e que existem muitas nuances.
As cartas falam muito do evento que foi o nascimento da minha sobrinha Júlia, que hoje tem 11 anos. Como eu sofri não estar presente naquele momento… Era a segunda crianca da família, depois do Gabriel, que reinou sozinho por dez anos. Depois da Júlia veio a Paula, a Lívia, o Fausto e a Catarina e não rolou mais nenhum estresse! Mesmo para uma ‘late bloomer’ como eu, a maturidade um dia chega!

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“Saska, 20/04/93
Queridões Paulo e Iri!!
[…] Paulo, fiquei feliz em saber que você já está no Banco do Brasil. Ainda bem que você se livrou daquele “Ponto, que fria!”… O horário que você vai fazer [segundo a mamãe, das 8 às 14hs] vai ser ótimo até pra você voltar a estudar, se quiser. Nego, você merece um emprego bom e tranqüilidade. E agora você vai poder freqüentar novamente aquela “fina” AABB! Mas não vai ficar insuportável como aquele pessoal, hein?… Senão vou te dar uma bolacha na cara, pra você voltar ao normal!!
Iri, o que eu não daria pra estar aí com vocês, vivendo esse momento tão especial. O que eu estou perdendo, nunca mais vou recupear. Não ver a Júlia pequenininha, crescendo aos poucos, me dá a sensacão que vai ficar faltando uma parte da história da minha vida…. Mas, vendo por outro lado, vai ser bom pra você, pois vou ser menos uma pentelha pra ficar palpitando a sua orelha!!
Bom, enquanto vocês estão curtindo essa fase de dorzinha de barriga e limpar cocozinho o dia [e a noite] todo, eu estou naquela fase de ficar sem energia de tanto reclamar e mandar neguinho fazer isso e aquilo [* o Gabriel estava com quase 11 anos]. E estou [já] enfrentando aquele olhar de desprezo que todo adolescente dá para os pais, quando esses ficam falando intermináveis discursos… Esse mundo tá perdido! […]
Negos, me escrevam, me liguem, peloamordedeus! Mande fotos! SAUDADES IMENSAS!!! Beijos para vocês e mil, especiais, para a mais linda de TODAS!
Tia Fer”

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releituras

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14 DE DEZEMBRO DE 1979
17 HORAS
SOL EM CONJUNCÃO COM NETUNO
E EM OPOSICÃO A VÊNUS
Subi numa pedra e gritei:
– Aí Gregor, vou descobrir o tesouro que você escondeu aqui embaixo, seu milionário disfarcado.
Pulei com a pose do Tio Patinhas, bati a cabeca no chão e foi aí que ouvi a melodia: biiiiiiin.

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Ainda estou com dificuldade para dormir à noite, pois meu corpo pensa que ainda não é hora de ir pra cama. Pro soninho chegar, uso a alternativa pra minha televisão no quarto: a leitura. Nas estantes da casa dos meus pais têm – sempre teve – muito livro. Alguns deles são meus, resquícitos das minhas muitas mudancas que ficaram para trás. Ontem peguei um especial – Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva. Esse livro é especial por muitas razões. A mais importante é que ele fazia Engenharia Agrícola na Unicamp quando se jogou no lago e se estrepou. Ele estava na turma um ano na frente da do Uriel. Então lemos o livro em 1982, porque pessoas que o Uriel conhecia estavam citadas nele. E também porque aquela história de estudantes em Campinas no final da década de 70 era a NOSSA história. Felizmente não tivemos nenhum acidente. Engravidamos e casamos, enquanto o Marcelo vivia sua tragédia no hospital. Participamos de muitas festas e churrascos loucos, onde acidentes estavam destinados a acontecer. A Engenharia Agrícola da Unicamp era famosa pelas suas festas e ambiente descontraído. Uma excecão no mundo dos engenheiros!
Lendo o livro, fui fazendo uma viagem no tempo. Estou nostálgica já há uns dois anos. Ontem falei com uma amiga que conheci aos 12 anos. Ela tem uma filha chamada Fernanda por minha causa. Tudo isso causa uma porrada de sentimentos confusos, pois eu já me acostumei a ser uma imigrante sem passado! E lendo Feliz Ano Velho lembrei das repúblicas, como elas podiam ser diferentes, quantas delas eu frequentei e também morei [experiência obrigatória naquela época!]. A história do Marcelo todo mundo sabe, pois o livro virou best-seller, peca de teatro e filme. Eu dei risada quando ele escreveu que ouvia discos na vitrola! Como tivemos mudancas drásticas nestes últimos vinte anos! E reparei que o livro está todo sublinhado, bem de levinho, com lápis. Reparei que as partes sublinhadas eram as que ele citava nomes. Hoje, depois de vinte e dois anos, não consigo nem imaginar o que me fez fazer isso…. Quem sabe até eu terminar de ler, eu me recorde!

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tietagem

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E vocês pensavam que era só a Marina que via celebridades nas lojas e restaurantes? Pois no meu segundo dia no Brasil já vi uma! Estávamos almocando no restaurante de um hotel spa trés-chic em Campinas e vimos a Cristiane de Oliveira – que comia sozinha numa mesa num cantinho. Claro que quando ela foi pegar macarrão, rolou uma tietagem básica, com umas fulanas pedindo pra tirar fotos com ela. Minha mãe já ficou toda empolgada e falou ‘vamos lá?’, mas eu recusei…. Eu lembro dessa atriz na última novela que vi antes de sair do Brasil, que foi Pantanal! Minha mãe disse que também viu uma tal de Rosamaria Murtinho, mas essa eu perdi. Não sabia que Campinas estava tão badalada assim… hoho!

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meu coracão agora só fala português

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Estou num filme dublado!
Tenho que fazer um esforco danado pra não falar thankyou/excuseme/please. E pra entender que não preciso ser bilingue! Pelo menos pelas próximas três semanas! Não que isso seja importante, mas é engracado de repente não ter mais duas línguas no meu dia-a-dia. Na ponte aérea Rio-Campinas minha cabeca formava as frases em inglês automaticamente e só depois de uns segundos que eu me tocava – peraí, tenho que falar em português com essa senhora e esse senhor, estranhos sentados na minha fileira no avião.
Então estou em Campinas, São Paulo, Brasil, depois de cinco anos de ausência. Não me perguntem por que eu fico tanto tempo sem vir ao Brasil, porque agora eu só tenho uma explicacão – é porque eu moro MUITO LONGE!
Vir pra cá me cansa, muito. Eu não gosto de sair de casa, não gosto de avião, não gosto de ter minhas coisas socadas numa mala, não gosto de burocracia alfandegária, não gosto das fronteiras legais que nos obriga a ser revisados e nos enfia por detetores de metais, não gosto de viajar.
Mas consegui chegar aqui! Passei algumas horas felizes e agradáveis no Rio de Janeiro, onde eu não pisava há 17 anos. Vi uma cidade que eu não reconheci. Mas essa chegada pelo Rio foi a melhor possível, revendo meu grande amigo, conversando, rindo e me sentindo acolhida no meu país-mãe.
Ainda não vi muita coisa de Campinas, mas já vi muita gente linda e já conversei com muita gente querida. Conheci três pessoinhas muito especiais – Fausto, Lívia e Catarina, meus sobrinhos. A Catarina é ‘guimassaura’ como a tia Fê! Incrívelmente dominadora e adorável!
Estou escrevendo do PCzinho possante da minha mãe e toda hora erro as teclas, dou windows/C inves de control/C….. Não sei como fazer o ce cedilha aqui!
Acho que ainda estou em horário pacífico e me sentindo um pouco cansada. São apenas 6pm em Davis e eu já preciso ir dormir aqui. Que amanhã tem mais!

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Beam me up, Mr. Scott!

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Se a minha vida fosse um filme, agora teríamos um corte de cena e em seguida veríamos eu chegando alegremente ao meu longínguo destino, sem cansaço, sem desodorante vencido, sem jet lag, sem mau humor e sem ter passado por pânicos claustrofóbicos e agorafóbicos.
Meu sonho é um dia poder ser teletransportada à lugares, sem ter que me enfiar por dezenas de longas horas em nenhum tipo de espaço fechado. Eu só teria que ficar em pé num patamar aberto e dizer “beam me up to my destination, please!”.
Quem dera!

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tic tac tic tac

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Passa hora, passa dia…..
Fui olhar no weather.com as temperaturas no Rio e em São Paulo, depois que o Moa me alertou que está FRIOOO por lá. Fiquei abismada em constatar que está igual aqui – entre 24ºC e 14ºC….. Ontem ouvi na tevê que estamos com temperaturas abaixo do normal para esta época do ano. Com certeza! Lembro de finais de maio terrívelmente quentes. Estamos numa brisa… belezura!
De repente, uma crise incontrolável de mau humor. É compreensível….. Pinguei umas gotas de Rescue na língua, just in case.
Férias, eu preciso!
Eu leio muitos blogs num período que varia entre vinte a trinta minutos. Faço tudo com o feedreader, que foi a descoberta do século e que me facilitou muito a vida. Nem todos os blogs que eu leio estão linkados aqui…. Eu parei de atualizar a minha lista de favoritos faz tempo. É uma pena e preciso me redimir, pois muita gente fabulosa, que eu curto ler, não está listada. Providências serão tomadas em breve.
Anota aí: uma gramática da língua portuguesa e chinelos havaianas pra mim, farofa pro Ursão.
O gato não descola de mim. Será que ele está pressentindo algo?
Na terça-feira passada fiquei puta da cara, pois esqueci de ir à aula de espanhol de novo….. Ontem eu esqueci de propósito. Às vezes é melhor admitir logo de uma vez que jogou dinheiro no lixo. Sinceramente, não recomendo as aulinhas de línguas da Adult School. Próxima vez [será?] farei no Sac City.
Passa hora, passa dia…

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terapia da água

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Geralmente é no chuveiro que eu encontro as soluções para os meus problemas, me toco de erros em coisas que escrevi, tenho idéias mirabolantes, me recomponho, tomo decisões, penso na morte da bezerra e repenso a vida. Agora também faço isso enquanto nado e observo cenas picotadas com o céu azul, as nuvens e até alguns aviões militares cruzando o espaço, intercaladas com as visões do fundo da piscina, onde me distraio com sombras, ondas, bolhas, folhas e flores afogadas e band-aids perdidos no chão de cimento azul claro.
Pra mim não tem nenhuma meditação mais eficiente do a que eu faço quando estou dentro da água. Qualquer água – com cloro, doce, salgada, quente, fria, real ou mesmo se ela for apenas fruto de um sonho.

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enquanto cozinho a sopa

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Eu sempre fui encanada com comer direito e natural. Passei uns quinze anos da minha vida, entre a infância e a adolescência, lutando contra um nojo que tomava conta de mim e que não me deixava comer carne, frango, peixe, ovos ou leite….. Do jeito que eu comia, praticamente obrigada pela minha desesperada mãe, nem sei como cresci e fiquei alta. E de repente, durante os últimos anos da minha adolescência, me deu o cinco minutos e eu virei natureba. Era uma saída para a minha repugnância com relação à toda comida derivada de animais. Virei uma comedora de pão, cenoura, sopa de missô e macarrão alho e óleo. Só depois de muitos anos, já mãe do Gabriel, é que fui devagarzinho voltando a comer os bifes da vida. Hoje eu como de tudo, menos coisas exdrúxulas é claro, mas não perdi a mania de comer natural, orgânico, evitar óleos, açúcares, ler maníacamente rótulos de qualquer produto para ver o conteúdo.
Por causa disso, toda segunda-feira eu encosto a barriga na beira da pia e fico com dor nas costas lavando verduras e legumes. Isso é coisa que só os naturebas freaks fazem aqui neste país, onde tudo é industrializado e muito mais fácil e prático, pois ninguém tem tempo de nada, muito menos de ficar lavando folhas de salada. Mas eu arranjo um tempo e faço questão de comer o máximo que puder sem aditivos químicos.
Hoje tive que fazer um sopão e vou congelar brócolis e couve-flor cozidos, porque tava acumulando tanto desses legumes dentro da geladeira que já estava dando dó. E toda semana eu jogo fora umas verduras que nem tenho mais idéias de como cozinhá-las. Esse desperdício involuntário e cheio de sentimento de culpa é a consequência de querer ter uma vida além da minha capacidade. Sem falar que além da lavação ainda tem os sustos de achar bichos estranhissímos residindo nas alfaces e repolhos. Um dia eu desisto dessa história, mas até esse dia chegar, vamos comendo nossas saladinhas, refogados e sopas com verduras e legumes fresquinhos.
O duro é meus amigos me aturarem, pois toda vez que eu sirvo alguma coisa, lá vem a frasezinha – “é orgânico!” – como se alguém desse a mínima!

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o passado não condena