na enseada
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Eu não sirvo pra viver neste mundo.
Ontem estava saindo do estacionamento do Wal-Mart em Woodland, onde fui comprar os docinhos de Halloween. Na calçada, em frente à saída e a avenida sempre ficam pessoas pedindo dinheiro. Não posso nem chamar essa gente de mendigos. É todo tipo de pedinte. Sempre um diferente. O de ontem era um cara de seus quase cinqüenta anos segurando um cartaz de papelão que dizia “Disabled Need Help”. Eu geralmente nem olho, porque já cansei de julgar e tentar entender por quê esse pessoal faz isso. Eles não estão sujos nem mal vestidos, parecem gente comum. Mas ontem eu fiquei esperando liberar o tráfego na avenida para poder entrar atrás de uma dessas caminhonetes que vendem burritos. Eles estavam saindo do estacionamento, onde ficam vendendo tacos, tortas, burritos, mariscos. Eram mexicanos. Enquanto esperávamos o trânsito fluir eu vi alguém na caminhonete dar duas bananas pro pedinte com o cartaz. A avenida liberou, a caminhonete entrou e eu também. Só que eu estava em prantos. Chorei por quarteirões e quarteirões, com a vista embaçada, limpando as lágrimas na manga da blusa. Não sei o que me deu quando eu vi os caras do burrito dando aquelas bananas pro homem com o cartaz pedindo ajuda. Chorei tanto que devo ter chamado a atenção das pessoas nos outros carros. Por causa de duas bananas. Mas eu já fiz pior, só pra ninguém pensar que foi a primeira vez.
A Orquestra de São Paulo fez um espetáculo bonito. Gostamos muito! A Leila conseguiu um ingresso e fomos juntas. Entabulamos uma conversinha com um professor de música da Universidade de Fresno, que sentou-se ao nosso lado e perguntou que sotaque era aquele no meu inglês. Quando eu falei ‘Brazilian’ ele se destrambelhou a falar e contou que era fã da orquestra e amigo de um dos músicos com sobrenome Formiga.
John Neschling estava na platéia, junto com o Cônsul de San Francisco e suas respectivas e digníssimas esposas. Quem conduziu a orquestra foi o maestro Roberto Minczuk. Eles tocaram Passacalha para um novo Milênio, do catarinense Edino Krieger e Concerto para duas Guitarras, do pernambucano Marlos Nobre, com a participação dos irmãos violonistas Sérgio e Odair Assad. Muito interessante a inclusão dos violões na orquestra. Ficou diferente e a platéia lotada do teatro curtiu. Depois do intervalo a orquestra fez a Sinfonia Número 5 em E Menor, Opus 64 de Tchaikovsky. E o Encore foi uma Bacciana de Villa-Lobos simplesmente linda!
Eu me emocionei vendo uma orquestra brasileira [Paulista!] tocando para um público de gringos. Não tinha barreira de língua, nem instrumentos ou ritmos exóticos. Era só a música fluindo tão linda e sendo executada por um grupo de brasileiros, num teatro na capital do estado da Califórnia.
Eu não vou votar, porque não me registrei no consulado e nem consigo achar meu título de eleitor. Mas não seja por isso, porque eu vou ser testemunha de um voto super importante. Vou para San Francisco acompanhar a Leila, que vai votar e vai ser pro Lula! Vou lá pra confirmar e testemunhar esse momento histórico. E se me permitirem, fotografar!
O outono é a minha estação favorita. Soa cliché, mas é vero! E aqui na Califórnia o outono é longo e dá pra aproveitar bastante, o clima e a paisagem. Em Saskatoon, o outono era tão rápido que quando eu pensava em pegar a câmera para fotografar as árvores cheias de folhas vermelhas e amarelas, elas já estavam peladas. Soprava um vento polar e acabava com tudo. Lá nevava no dia seguinte ao Halloween, quando não nevava no dia, pra estragar a festa da criançada. Dava uma peninha, pois tinham uns que eram tão determinados que punham a fantasia por cima dos casacões. E as luvas, toucas e cachecóis não ajudavam muito na configuração do personagem…
Aqui é muito melhor. O Halloween é uma festa legal, pois está friozinho, mas não está aquela coisa insuportável. E agora estamos entre os vinte e os cinco graus Celsius. É quase o clima perfeito. De manhã eu abro as janelas, mas já tivemos que ligar o aquecedor. A noite pede um casaco. Já vou ter que tirar minhas roupas de inverno das caixas. Essa é uma mudança que eu realmente curto.