quanto vale?

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Nem sei muito bem como a conversa se iniciou, mas ela me pegou pra cristo no banheiro do Faculty Club e eu sinceramente achei que nunca mais sairia de lá. Meu sorriso simpático e minhas respostas monossilábicas provocavam uma multitude de divagações e explicações que ela considerava essenciais. Me senti afundando numa areia movediça de palavras, histórias, teorias e conselhos. Num determinado ponto do quase-monólogo lembro dela sacudindo o capacete com uma das mãos, elevando-o à altura dos meus olhos e dizendo resolutamente – trinta e seis dólares? ou sua vida? trinta e seis dólares? ou sua vida? o que vale mais? Na eminência de passar o resto da minha existência presa naquele banheiro ouvindo ela falar, respondi ligeiríssimo: a minha vida!!

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na ponta do nariz

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Como tenho um olfato super-hiper-mega-big sensível e estou sempre sentindo o cheiro de tudo, despiroco total se sentir qualquer fedorzinho vindo do meu corpo. Quero a todo custo me convencer de que as outras pessoas não cheiram o cheiro que eu estou cheirando. Ás vezes fazemos uma reunião num horário conveniente para quase todas, exatamente depois de uma aula de capoeira. Eu estou cheirando forte a cloro da piscina, elas dizem estarem fedendo a suor pós-ginga do berimbáu. Eu não sinto fedor nenhum vindo delas. Por isso me acalmo um pouco quando penso que – bom, não penso nada, tenho certeza, estou com aquela catinga sovaquenta que por algum motivo trascedental resolveu incarnar sem o meu consentimento. E isso sempre acontece de repente, sem aviso prévio, sem ter acontecido nada especial. O sovaco simplesmente manifesta-se. De repente, snif, snif, sinto que algo não está bem. Invés de relaxar pra não deixar a coisa piorar, eu me estresso e quando percebo estou literalmente desesperada, achando que é o fim do mundo. Há muitos anos conheci uma moça cujo sovaco exalava o cheiro mais ardido e impregnante já experienciado pelas minhas narinas. Se ela entrava num lugar, espalhava rapidamente o seu rastro odorífero inconfundível. Ela parecia não perceber, ou não se importar. Como é comum se acostumar com o próprio perfume, seria possível também se acostumar com o próprio fedor?

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What seems to be the trouble?

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Frases da maravilhosa Bette Davis, compiladas pelo Time Cinefilia. Algumas são simplesmente fantástica e se adaptam à muitas situações cotidianas. “What seems to be the trouble” é a favorita do Moa, que também vou adotar. As minhas favoritas, que eu certamente teria onde encaixar em qualquer discurso, são:
“You sound like a book, and a very cheap one”
“If I weren’t in such a hurry, I’d break right down and cry”
“I don’t say nice things nicely”
“If you could read my mind, you’d shrivel where you stand”
“Good riddance to bad rubbish”
“I don’t mind”
marvelous, marvelous!

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eu vi

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Resolvi comprar um cookie no coffee shop e no caminho vi algumas placas amarelas distribuidas estrategicamente ao redor do quad:

WARNING!
Genocide Photos Ahead

Naquela reação instintiva de dar uma escaneada geral com os olhos, indagando mentalmente onde, como, o que, vi as fotos coloridas e ampliadas de gente, ou pedaços de gente, tripas ensanguentadas. Não sei do que se trata o manifesto fotográfico, só sei que está lá, choca os quase desavisados, e isto não está certo.

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Esta é a Força que Atravanca o País

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Estava tentando mandar outra reclamação pro Procon-SP, a respeito daquele assunto descabelantemente irritante que já deu nos meus piquás e nunca se resolveu. Eram quase meio-dia aqui, o que nos meus cálculos de diferença de fuso horário seriam quase quatro horas da tarde no Brasil. Preenchi o formulário e quando cliquei em enviar recebi a mensagem:

“Desculpe-nos o transtorno, mas estamos fora do nosso horário de atendimento.”

Até o formulário eletrônico fecha o guichê antes das QUATRO DA TARDE, afrouxa a gravata e vai até o bar da esquina tomar uma cerva, falar mal do governo e do técnico da seleção. Isso é que é Ordem e Progresso, minha gente!

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hora da soneca

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Quando fiz uma classe de Corporate Cultures anos atrás, li um livro que descrevia a estrutura física de grandes corporações do inicio do século vinte, quando as mulheres entraram em grande número para o mercado de trabalho. Foi uma classe muito legal, onde discutimos muita coisa interessante sobre as culturas corporativas. Um dos textos que eu li descrevia o posicionamento dos banheiros femininos nos grandes prédios das grandes empresas. Eles eram escondidos, com acesso discreto e possuiam uma sala de repouso, com sofás, poltronas, divãs, onde as mulheres poderiam se refrescar, conversar, tirar um cochilo, descansar e, principalmente, se recompor durante aquele período estressante e desgastante do mês.
No prédio onde eu trabalho não tem banheiro. Ele não é bem um prédio, mas uma casinha, chamada de anexo de um outro prédio grande. A vantagem é que ficamos no centrão do campus, cercados de muitos outros prédio, todos com muitos banheiros. A discussão sobre o fato de não termos um banheiro nas premissas é puramente filosófica e não acrescenta nada. O importante é que podemos, ou melhor, temos que sair do nosso prédio para fazer nosso xixizinho – sem mais detalhes. Pra mim é ótimo sair, caminhar, tomar sol, ver gente, lugares diferentes. Eu vou à três banheiros, em dois prédios vizinhos, Ainda preciso explorar mais, ir mais longe, mas por enquanto está bom.
Um dos banheiros, o maior deles, tem três privadas, duas pias, dois espelhos e um divã encostado numa das paredes. Nele, vejo sempre alguma estudante deitada, tirando uma soneca. Mochila no chão, pernas dobradas, corpo virado para a parede. Para mim é inconcebível dormir dentro de um banheiro público, mas entendo perfeitamente a necessidade de uma descansada, quando se está no esquema terrívelmente pesado e exigente do sistema academico baseado em trimestres. Quando o bicho pega, um soninho reparador vem bem a calhar. E elas deitam e dormem, numa boa. Como nos banheiros das grandes corporações do inicio do século vinte, as modernas universidades deste novo século também oferecem um conforto extra às mulheres. Restroom, não poderia ser mais apropriado.

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Amigas para sempre

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[Odette, Fernanda & Higia]
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[Higia & Odette]
Minha mãe me escreveu contando que hoje ela iria à Embu das Artes visitar a amiga Higia, pois na semana passada elas completaram 50 anos de amizade e queriam comemorar. Cinquenta anos de amizade não é pra qualquer um! Elas se conheceram no trabalho, duas mulheres modernas. Eu revi a Higia algumas vezes depois de adulta, a última vez quando estive no Brasil em 2004. Mas a imagem dela que ficou congelada na minha memória é a dessa visita que ela nos fez no interior de São Paulo, na década de 70.

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o passado não condena