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Comecei a nadar numa piscina olimpica “vintage” em Woodland, onde o swim team da cidade treina. A piscina é enorme, super funda, mas dá pra ver que os dias de glória daquele lugar ficaram para trás há muitas décadas. Tudo é bem simples, mas tem o que eu preciso e o que eu queria—nadar livre, sem encheção de treinador te dando ordens, nem gente competitiva metida à atleta te dando pernada e jogando água na sua cara. Nado qualquer dia, nos horários de lap swimming, que são super convenientes pra mim, depois do trabalho. Nado sozinha, numa raia enorme, ouvindo o chuá e tralalá das crianças que treinam do outro lado da piscina no mesmo horário.
E são muitas crianças, de idades variadas. Divido o vestiário com as meninas e está sendo uma experiência bem diferente da que eu tinha dividindo o chuveiro com mulheres adultas. Enquanto a mulherada não se incomodava de abaixar pra pegar o sabonete deixando até as entranhas expostas ou ficar raspando a virilha com a gilete de perna aberta, as meninas são de uma timidez e recato comoventes. As gurizinhas são fofíssimas e pra poder se trocar se enrolam na toalha, fazem quase uma cabaninha viradas pra parede, numa manobra incrível de malabarismo pudico. Me identifiquei pacas com elas!
Outro dia estava me trocando às pressas, enrolada na toalha e virada pra parede dividindo o espaço com duas delas, que me encaravam muito enquanto conversavam. Uma delas nem disfarçava. E eu super constrangida, tentando vestir a roupa com o corpo ainda meio molhado, enquanto elas me olhavam e conversavam entre si, no bate-papinho mais engraçado do mundo. Até que uma delas pronunciou bem alto—I like privacy when I change!
Ri com a boca e os olhos espremidos em silêncio, e em pensamento concordei mil por cento, dando toda razão pra ela, pois eu também gosto de ter privacidade pra me trocar!
Estou mudando de casa e de cidade, empacotando nove anos de acúmulo enlouquecido que perpetrei quase que impunemente e me preparando para uma outra rotina, um estilo de vida um pouco diferente. Vou sair de uma casa moderna para ir viver numa casa antiga. Vou sair do conforto dos banheiros e armários amplos, com prateleiras inteligentemente bem calculadas, para ir viver dentro de um filme clássico. Serão zilhões de possibilidades!
Tenho conversado com muitos prestadores de serviço, que estão inspecionando a casa nova e a velha e fazendo pequenos consertos. A maioria já vai puxando um papo, fazendo perguntas. Um deles se atrelou num convercê interminável comigo, me contou mil coisas, da cidade onde vou viver, da vida dele, dos filhos. Alguns me deram conselhos bacanas, me falaram palavras super animadoras. Como aquele que me disse—vá para a nova cidade com a cabeça aberta, você vai adorar e vai achar sua tranquilidade.
Nestes últimos dias ando me sentindo num limbo, porque parece que não estou mais cem por cento aqui e lá estou apenas em pensamento. Gasto o pouco tempo que me sobra nos intervalos de desmanchar e empacotar uma casa, olhando imagens, de quadros, de bancadas, de móveis, de papel de parede, as cores, os vasos, e objetos, encantada com todas as milhares de ideias e os zilhões de possibilidades.
Vai chover amanhã e depois e depois e depois e depois e depois e depois. Choveu tanto no domingo, que nem fui nadar. Tempestade tropical. No sábado nadei com chuva gelada pingando na minha cara. NÃO curti! E ainda esqueci meu chinelo de dedo em casa [otraveiz, lasca!] e meu pé doeu de pisar no chão gelado, sem falar no NOJO de por meus pés em contato com o chão absurdinhamente empoçado daquele vestiário de piscina. Belisca, sou eu mesma dizendo que fui nadar no frio e chuva, sem chinelo, num sábado de manhã?
Estou realmente interessada em aprender a técnica de dormir sentada, sem cair da cadeira, sem roncar e dar bandeira de que estou dormindo.
Conversando com uma pessoa, usei a expressão “in the old days”. Pronto, sou oficialmente uma velha.
Barack Obama é a epítome da elegância.
Meu marido, o realista—você sabia que o mel é o cuspe da abelha? Obrigada, dear husband, por colocar essa minhoca se contorcendo de nojinho na minha cabeça.
Um filme com John Wayne onde ele nao é um cowboy, nem um oficial do exercito ou da marinha—Trouble Along The Way, 1953.
O melodrama mais cafona de todos os tempos, soap-opera-ish. Mas tive que ver até o final [feliz, é claro]—A Summer Place, 1959.
Te amo de paixão e mando um beijo no seu coração!
“como respirar somente pelo nariz com a boca aberta”
Não importa o quão hipster, inteligente, bonita, rica, bem viajada, bem lida, perfumada com o aroma exótico mais inebriante, com os cabelos naturalmente cacheados e brilhantes, embrulhada elegantemente em roupas de seda e linho sem um único vinco. Sentada numa cadeira do dentista você é apenas um bocão aberto cheio de dentes com uma língua no meio.
Impossível descrever o quanto eu adoro a minha dentista. Não apenas porque ela é uma delicadeza de pessoa, com as assistentes mais queridas, que massageiam meus ombros e enxugam minhas lágrimas, mas principalmente porque ela agora é licenciada para administrar drogas relaxantes e usar óxido nitroso, o gás hilariante. Quando fiquei sabendo, me manifestei entusiasmadamente: eu quero!
Então pra qualquer tratamento que eu preciso fazer já ficou estabelecido que vou receber o gás do riso. No dia fatídico, deito na cadeira, com um cobertor nas pernas, a assistente bacana massageando meu ombro e dizendo—you’re doing great, e com o tubo de nitro bem encaixado no meu nariz. Inspira, expira, inspira, expira. Não é N2O o tempo todo, a maquininha vai alternando com O2, mas só assim eu consigo descruzar as pernas e relaxar as mãos, que ficam normalmente crispadas quando estou numa cadeira de dentista. Por 45 patacas extras, o gás hilariante vale cada centavo de cada fungada. Já que vou ser reduzida a apenas um bocão aberto cheio de dentes com uma língua no meio, com o gás pelo menos serei um bocão feliz. Lálará!
Uma das minhas colegas de trabalho me conta histórias incríveis. Ela deveria pedir demissão desse emprego e se dedicar a escrever ficção. Inspiração não vai faltar. Num dia ela veio me dizer que estava pensando em talvez ir até a casa da mãe, pois o irmão tinha entrado na floresta há dias para caçar e ainda não tinha regressado. Retruquei exaltada—mas você já ligou pra policia florestal? Ela respondeu sorrindo calmamente—ah, ele sempre faz isso. Outra vez ela me contou umas fofocas envolvendo outros colegas de trabalho. São pessoas que já se aposentaram e com quem eu não convivi muito, mas a história envolvia sexo, drogas, traição e me deixou de bocão aberto. Sinceramente, eu nunca imaginei que rolasse tantos agitos na vida íntima dessa gente. Bafões de bastidores. Bob & Carol & Ted & Alice. Numa outra ocasião ela chegou no meu cubículo segurando um papel e leu pra mim, em tom teatral, a pequena crônica que ela tinha escrito sobre uma cena da sua infância. A tia corria atrás dela com um pau de vassoura e ela enfrentava a megera com xingos audaciosos e pesados pra sairem da boca de uma criança. Eu fiz algumas perguntas curiosas e ela me contou sem constrangimentos que a tia era uma pinguça e o tio abusava sexualmente as próprias filhas. No nosso último convercê ouvi a descrição minuciosa, com toques de comédia pastelão, de como ela foi dar comida para os gatos do namorado e ficou presa na garagem sem acesso de volta à casa. A chave do carro, bolsa e celular trancados do outro lado da porta. Não pude acreditar na paspalhice, que felizmente teve final feliz quando ela convenceu uma das vizinhas a emprestar o filho de três anos, passá-lo pela portinhola dos gatos e depois guiá-lo para que ele abrisse a porta.
(( what a day, what a week, what a month, what a year! ))
Já posso comentar sobre o ano, pois já fechamos o primeiro mês e tudo está indo muito bem. Nossa rotina mudou drasticamente com o Uriel passando a semana em outra cidade e voltando só nos finais de semana. Não está ruim, nem posso reclamar, está apenas diferente. E agora podemos fazer coisas divertidas juntos, e isso é o mais legal. Meu chefe pediu demissão pra iniciar uma carreira completamente diferente, tratanto pacientes de dores crônicas com energia, reiki e ervas. Parecia que o mundo iria chegar ao fim, todos correndo em circulos como baratas tontas em pânico, mas até agora tudo está tranquilo, tirando o fato de que eu estou trabalhando em dobro. Quase nem tenho conseguido fazer minhas caminhadas nos breaks da tarde, quanto muito quando chego em casa. Se eu me esforçasse mais, tenho certeza que conseguiria, mas sei lá, mil coisas, quando chego em casa prefiro ficar na cozinha. Mas tenho nadado, com chuva e neblina, que é só o que temos tido por aqui. Céu azul somente vez ou outra, como um prêmio por bom comportamento. Inverno, né? E também não vou reclamar disso. A rotina mudou para os gatos também, com o Roux cada dia mais patzo e carente e o Misty cada dia mais velhinho e recluso. Sempre que comento sobre a triste velhice galopante e notável do nosso gato Misty, alguém responde—mas ele teve uma vida muito boa! E não posso discordar, pois essa é a mais pura verdade.