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Minha família passou por maus bocados neste ano. Enfrentamos o câncer da minha mãe, do meu irmão e da minha irmã. Minha mãe e minha irmã estão bem, dando continuidade à um pesado tratamento oncológico. Meu irmão morreu em agosto. Morando em outro país, meu desejo constante era o de estar mais perto fisicamente, mas tive que me concentrar na minha habilidade verbal e na força e positividade das minhas palavras pra ajudar a confortar os meus queridos. Toda essa vivência de doença e morte levantou um manto surreal que cobria a minha visão e revelou um novo mundo pra mim. Achei que estava razoavelmente preparada para o que estávamos confrontando, mas na verdade nunca estamos totalmente preparados para viver situações assim.
Quase tudo que acontece traz uma sensação de surpresa, principalmente o que acontece com relação às pessoas. Os coadjuvantes. Não me surpreendi com relação à como as pessoas temem os assuntos de doença e de morte. Como fogem, amedrontadas, achando que se conversar com você sobre essas coisas uma maldição vai se instalar ou a doença e a morte vão se espalhar como uma praga. Já estive do outro lado, também sem saber o que fazer ou o que dizer. Desta vez porém, pude perceber muito claramente essa dinâmica, observando a postura das pessoas que fazem parte da sua vida mas que mal conseguem articular uma frase clichê sobre doença e morte e já saem correndo, vão tomar um banho pra desinfetar, expurgar os demônios desse horror que ninguém quer experimentar.
O bom é que a surpresa também aconteceu da maneira inversa. Pessoas que surgem do nada pra te trazer palavras ou gestos maravilhosos, que te acalentam como um cobertor quentinho, seja através de vaso com flores deixado na sua porta, ou uma mensagem delicada, uma oferta de te escutar, um toque no ombro sem pressão, um cartão bonito que chega pelo correio.
Na semana passada recebi um cartão lindo, escrito com letra de mão caprichada, com palavras que me emocionaram e que diziam—estou pensando muito em você desde a última vez que nos vimos. espero que as memórias amorosas do seu irmão possam te trazer momentos de paz durante o seu luto. O cartão, que chegou inesperadamente pelo correio, foi enviado pela minha higienista, a profissional que limpa meus dentes de três em três meses.