[a dar ouvidos]

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Uma das minhas colegas de trabalho me conta histórias incríveis. Ela deveria pedir demissão desse emprego e se dedicar a escrever ficção. Inspiração não vai faltar. Num dia ela veio me dizer que estava pensando em talvez ir até a casa da mãe, pois o irmão tinha entrado na floresta há dias para caçar e ainda não tinha regressado. Retruquei exaltada—mas você já ligou pra policia florestal? Ela respondeu sorrindo calmamente—ah, ele sempre faz isso. Outra vez ela me contou umas fofocas envolvendo outros colegas de trabalho. São pessoas que já se aposentaram e com quem eu não convivi muito, mas a história envolvia sexo, drogas, traição e me deixou de bocão aberto. Sinceramente, eu nunca imaginei que rolasse tantos agitos na vida íntima dessa gente. Bafões de bastidores. Bob & Carol & Ted & Alice. Numa outra ocasião ela chegou no meu cubículo segurando um papel e leu pra mim, em tom teatral, a pequena crônica que ela tinha escrito sobre uma cena da sua infância. A tia corria atrás dela com um pau de vassoura e ela enfrentava a megera com xingos audaciosos e pesados pra sairem da boca de uma criança. Eu fiz algumas perguntas curiosas e ela me contou sem constrangimentos que a tia era uma pinguça e o tio abusava sexualmente as próprias filhas. No nosso último convercê ouvi a descrição minuciosa, com toques de comédia pastelão, de como ela foi dar comida para os gatos do namorado e ficou presa na garagem sem acesso de volta à casa. A chave do carro, bolsa e celular trancados do outro lado da porta. Não pude acreditar na paspalhice, que felizmente teve final feliz quando ela convenceu uma das vizinhas a emprestar o filho de três anos, passá-lo pela portinhola dos gatos e depois guiá-lo para que ele abrisse a porta.

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o céu do inverno

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(( what a day, what a week, what a month, what a year! ))
Já posso comentar sobre o ano, pois já fechamos o primeiro mês e tudo está indo muito bem. Nossa rotina mudou drasticamente com o Uriel passando a semana em outra cidade e voltando só nos finais de semana. Não está ruim, nem posso reclamar, está apenas diferente. E agora podemos fazer coisas divertidas juntos, e isso é o mais legal. Meu chefe pediu demissão pra iniciar uma carreira completamente diferente, tratanto pacientes de dores crônicas com energia, reiki e ervas. Parecia que o mundo iria chegar ao fim, todos correndo em circulos como baratas tontas em pânico, mas até agora tudo está tranquilo, tirando o fato de que eu estou trabalhando em dobro. Quase nem tenho conseguido fazer minhas caminhadas nos breaks da tarde, quanto muito quando chego em casa. Se eu me esforçasse mais, tenho certeza que conseguiria, mas sei lá, mil coisas, quando chego em casa prefiro ficar na cozinha. Mas tenho nadado, com chuva e neblina, que é só o que temos tido por aqui. Céu azul somente vez ou outra, como um prêmio por bom comportamento. Inverno, né? E também não vou reclamar disso. A rotina mudou para os gatos também, com o Roux cada dia mais patzo e carente e o Misty cada dia mais velhinho e recluso. Sempre que comento sobre a triste velhice galopante e notável do nosso gato Misty, alguém responde—mas ele teve uma vida muito boa! E não posso discordar, pois essa é a mais pura verdade.

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a cara [nova] do ano

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Um fato notável no meu comportamento cotidiano é que ando prestando muito mais atenção nas pessoas mais velhas do que eu. Deve ser algum sintoma do meu próprio envelhecimento. Jovenzinhos bonitinhos, vestidinhos com as roupetas da moda e eteceterá abundam na minha paisagem e não me causam quase nenhum interesse ou entusiasmo. Mas as pessoas mais velhas têm realmente me fascinado. Na minha passagem do ano novo em Monterey e Carmel, cruzei com algumas que ficaram marcadas na minha memória.
Na festa no hotel, um casalzinho bem velhinho dançava junto, swing style, no meio do salão. Os dois de cabelos bem branquinho, ele de camisa e suspensórios e ela de tailleur vermelho, pareciam saídos de um episódio dos Waltons. Fiquei absolutamente encantada pela visão daquele amor, os dois abraçadinhos, ela sorrindo, ele liderando a dança todo concentrado.
Logo depois, na mesma festa, avistei um outro casal. Esse talvez nem tão velho, mas nunca se sabe. Imagine um filme de festa de formatura de high school, com o rei e a rainha da festa eleitos em unanimidade por todos os outros alunos. O casal mais popular e bonito da escola. Pois esse casal na festa do hotel eram exatamente a prom queen e o prom king sessenta anos depois do baile de formatura. Ele altão e magro vestindo um chapéu inclinado para um lado, ela pequena e sorridente vestida de preto, cabelo cinza num corte impecável. Os rostos incrívelmente enrugados, nenhuma plástica, nenhum botox, somente a beleza natural que insistia em se manter presente, apesar da passagem do tempo.
E antes disso, no banheiro do restaurante em Carmel, uma senhorazinha puxou papo comigo enquanto lavávamos as mãos. Eu garanto, que nunca, jamais, em hipótese alguma, tomo a iniciativa de falar com estranhos. O muito que faço é sorrir, desejar bom dia, ou comentar que algo é bacana ou bonito—que em inglês não exige o uso de mais do que duas palavras, how cute, how nice e tals. Mas sou uma eterna vitima dos puxadores de conversa em filas, salas de espera, transportes e banheiros públicos. E neste dia a conversa prosperou. Primeiro ela comentou que a mão dela estava ressecada, tudo culpa do frio. Daí comentou o jantar, que ela tinha comido o carneiro, que estava delicioso, que as cenouras estavam perfeitas, que as batatas estavam deliciosas, e eu esclareci que as batatas estavam intercaladas por fatias de pera, pois meu marido também tinha escolhido o prato de carneiro e tínhamos confabulado sobre o detalhe adocicado das batatas. Dalí a conversa progrediu para detalhes familiares e ela contou que a filha tinha se casado há exatamente dezoito anos ali mesmo naquele clube de golfe e que ela mesma já iria completar cinquenta e dois anos de casada no dia seis de janeiro, o que me deixou à vontade para comentar que eu também fazia aniversário de casamento em janeiro—vinte e nove anos no dia dois! Não sei quantos minutos fiquei conversando com aquela senhorinha tão fofinha dentro do banheiro, mas me pareceu um tempo enorme, como se fossemos duas velhas amigas sentadas no sofá, atualizando uma à outra sobre as pequenas novidades das nossas vidas. Poderia ter ficado ali com ela por um tempo mais longo, mas estávamos num banheiro e realmente não nos conhecíamos, então me despedi desejando um happy new year and all the best e ela retribuiu—have a great year!

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a holly and jolly christmas

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No décimo Natal deste blog—dez anos que nem foram comemorados, quero deixar aqui um imenso desejo de felicidade e muitas realizações. Perseverança é uma qualidade mútua, minha e de todos que ainda passam por aqui.

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quem viver, verá

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Passei muitos anos rindo zombeteiramente do desfile de adornos cafonérrimos que as festividades geravam no vestuário da mulherada por essas bandas do norte. Pra mim, a visão de alguém usando brincos em formato de pacotinhos de presente com laçarotes e um broche de árvore de Natal combinando, era um sinal claro para eu me afastar correndo. Nunca me imaginei amiga de uma criatura ostentando brincos em formato de abóbora ou um broche de boneco de neve. Mas os anos passam, a idade mais avançada aplaca nossas agitações e revoltas, traz uma maior capacidade de ponderação e de compreensão. Ou seria o caso de estar apenas se dobrando aos critérios do ordinário e se juntando ao grupo preponderante?
Pois eu me vi na festa de Natal do meu trabalho—evento que eu costumava detestar, não só me divertindo, repetindo meu prato de antepastos três vezes, fotografando a árvore decorada com ornamentos artesanais, babando de tanto rir das brincadeiras da troca de elefantes brancos, adorando o presente que escolhi e rezando para que ninguém roubasse ele de mim, mas também toda pimpona, ostentando na lapela do meu casaquinho de veludo um BROCHE em formato de um FLOCO DE NEVE!
O que mais posso dizer? Jingle-them-bells!

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disk friendship

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Assim que coloquei os olhos nessa foto, saquei o que o Gabriel estava fazendo pendurado [e enroscado] nesse telefone flip-flop com um fio imenso. Eram tempos pré internet e as pessoas entediadas buscavam diversão das mais variadas maneiras. Uma delas era, para nós, ficar de papo furado no disque amizade—um troço que hoje deve ser totalmente dinossaurico e obsoleto. Imagina, todo mundo numa linha batendo papo ao mesmo tempo. Não sei se as pessoas realmente faziam e estreitavam amizades, porque para nós aquilo era apenas diversão. Eu, a minha irmã e o Gabriel entravamos na linha juntos, cada um numa extensão, só pra atrapalhar o convercê e confundir as pessoas. Era uma brincadeira, que obviamente o Gabriel adorava. Infantilice a minha, que devo ter liderado a parada e participava com gosto, rindo de chorar e de quase se mijar. Minha irmã deve ter entrado de gaiata, mas o Gabriel só seguiu o exemplo da mãe. E que mau exemplo, hein?

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it’s been a long, long time

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Meu pai perguntou se eu ainda escrevia aqui. Ele era meu leitor, antes de perder parte da visão. Eu respondi que, errr, ahn, às vezes, sim, escrevo qualquer coisa. Não é sempre que tenho histórias, muito menos inspiração. E dizem que o Twitter está matando os blogs. Só se for os blogs de abobrinhas, como este. Porque outros estão firmes e fortes. Mas tudo são fases, eu acredito. Gostaria mesmo era de me sentir à vontade aqui para poder voltar a escrever sobre o meu dia-a-dia, como eu fazia no passado com a tranquilidade de saber que, de conhecidos, só a minha vizinha xereta me lia. Mas é isso—todos os dias [ou quase] eu tiro fotos e escrevo frases, pensamentos, idéias, chuto umas latas, divulgo uns links, até troco um plá com pessoas espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Porque não mais aqui? Isso eu não sei. Provavelmente são só fases. São sim.

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o passado não condena